Marianne Faithfull , boho queen, cantou canções folclóricas, andou com os Stones e agitou a cena londrina acompanhada por Anita Pallenberg. Ao longo da carreira, gravou com vários artistas interessantes, indo de David Bowie a Beck. Atuou em filmes de Godard e contracenou com Orson Welles. E isso foi só o começo…
Descoberta pelo empresário dos Rolling Stones nos anos 60, a jovem inglesa se tornou uma cantora de sucesso e começou a namorar Mick Jagger. Na década de 70, ela chegou no fundo do poço com o vício e foi morar nas ruas de Londres. O retorno da “Sister Morphine” aos holofotes começou em 1979, com o lançamento do belo disco Broken English.
Ainda não li sua autobiografia, mas gosto muito da música. Tanto das melodias simples e inocentes de meados dos anos 60, como ‘Come and Stay With Me‘ e ‘As Tears Go By’ (também título de um outro livro sobre a vida da cantora), quanto suas canções mais experientes, cantadas em uma voz rouca, como ‘Sister Morphine’ e ‘Working Class Hero’.
O interessante é que a carreira musical de Faithfull não era para ter durado mais de 50 anos, e muito menos continuar interessante tantas décadas depois. Andrew Loog Oldham, o empresário dos Stones que lançou sua carreira como vocalista, a descreveu com desdém chamando-a de “um anjo com peitos grandes”. Como mesmo disse mais tarde, fui “tratada como alguém que não sabe cantar, realmente não escreve nada, apenas alguém que você pode tentar transformar em algo”.
No fundo, ela sempre se viu como uma cantora folk. Na adolescência, fazia apresentações a cappella nos cafés de Reading. Mas onde acabou sendo boa, muito boa, foi cantando um tipo de pop orquestral com um som invernal, no qual harpas e guitarras de 12 cordas cintilavam. Enquanto você escuta a música, dá para imaginar a respiração de Faithfull formando nuvens na frente do rosto enquanto ela cantava. Exemplos: This Little Bird, Go Away from My World, Morning Sun, Tomorrow’s Calling.
Broken English, o disco de comeback de 1979, foi algo completamente diferente. A era punk não foi gentil com a maioria dos ícones dos anos 60. Especialmente para aqueles como os Stones, que nos anos 70 haviam se tornado extremamente bem sucedidos, e consequentemente mais distantes do público e aristocráticos em seu comportamento.
Mas o oposto aconteceu com Faithful, que acabou se revelando um ícone punk dos anos 60: a personificação viva de um lado mais sombrio da vida, e não de uma era de ouro como os presunçosos baby boomers gostavam de ver a era.
Ela foi uma figura injustiçada pelo sexismo casual da época e arruinada por seus excessos impensados. Não era um mimado deus do rock’n’roll, e sim uma pessoa que ficou sem teto, passou dificuldades e sobreviveu na rua. Ela era a mulher injustiçada em “Why Did Ya Do It?”, um fantasma na festa da nostalgia em “What’s the Press?”. Percorreu os destroços da década com uma certa alegria na faixa título do disco, que falava de hippie-idealistas-que se tornaram assassinos no grupo Baader-Meinhof. Em Brain Drain, cantou sobre como o idealismo da época, poderia se resumir a uma busca desesperada por meios de “ficar chapado sem ter que pagar”.
Em 2018, ela lançou um álbum novo: Negative Capability. O titulo é uma referência a um poema de John Keats. Em 2020, em Londres, ela foi internada depois que testou positivo para o coronavírus. Depois dela sobreviver a tantas dificuldades e improbabilidades, essa rebelde e ícone conseguiu se recuperar e não foi uma das vozes tragicamente caladas pela Covid-19.