Ufa!
Estava calado para montar este post, o mais longo da história. Comecei a montar uma retrospectiva da moda masculina desde que comecei o blog, passeando pelos arquivos desta página e do meu tumblr. O resultado você vê depois do clique… indo do boom à morte do workwear, passando pelos pavões italianos no Pitti Uomo e o #menswear, até o retorno dos anos 90 e a minha tendência favorita… o retorno do minimalismo.
Pegua a pipoca, o guaraná, e prepara…
O Trad e o Americana
Em 2004, depois dos anos completamente dominados pelo estilo “luxo europeu”, o estilista Thom Browne provocou a releitura do estilo trad americano, com sua nova proposta para o uniforme dos anos 50, composto pelo terno de flanela cinza, camisa oxford branca, e gravata listrada. Grande parte da indústria seguiu o exemplo, criando roupas tradicionais e nostálgicas, que iam desde o Ivy americano até os ternos clássicos ingleses.
Quando a economia global desmoronou em 2008 ela completou o ciclo desse luxuoso look europeu. O mundo passou pela pior crise financeira desde 1929, milhares de pessoa perderam seus empregos, e muitas empresas fecharam. A sociedade em geral ficou mais cuidadosa com os gastos, e os consumidores passaram a querer produtos de qualidade que fossem durar muitos e muitos anos.
Foi neste cenário que começou a tendência do “workwear” na moda masculina do hemisfério norte. Ao invés de roupas elegantes e delicadas, os consumidores masculinos passaram a querer produtos rústicos e duráveis. Os ternos pretos bem skinny deram lugar ao vestuário resistente dos trabalhadores, com camisas de chambray e botas worker de cano alto.
Workwear e a onda Heritage
O interesse pelo produto durador e a idéia de comprar melhor para comprar menos, revitalizou marcas tradicionais com histórias muitos ricas: as heritage brands. Até as marcas de luxo começaram a criar roupas inspiradas no workwear. A Levi’s entrou na brincadeira, e voltou às origens com a criação da LVC (Levi’s Vintage Clothing), a Bottega Venetta, desfilou macacões e luvas sem dedo, e a Ralph Lauren voltou com a linha RRL e abriu lojas exclusivas para essa linha vintage. A Red Wing, marca de botas industriais, começa a ser vista nos pés dos fashionistas, jeans selvedge virou uma febre, marcas de reproduções cresceram além dos seus nichos, o workwear japonês ganhou espaço, e várias marcas trabalhando produtos de couro apareceram.
O workwear permaneceu forte por dois anos, e como todas as tendências da moda, se propagou para um número maior de formadores de opinião. Essa mudança não foi só nas roupas. Os jovens urbanos estavam descontentes com a direção das cidades, e passaram a buscar o “autêntico” em tudo. Cresceu o interesse pelo “shop local”, pela agricultura local, jardins urbanos, por atividades ao ar livre e por trabalhar com as mãos. Qualquer coisa que remetesse ao natural estava em alta… as cervejas artesanais ganharam força, o folk virou pop, e as barbas cresceram. Bem parecido com o cenário de tendências que observamos no Brasil de hoje.
Workwear, descanse em paz
O auge disso tudo foi em 2010, quando a tendência “worker” começou a ser notada por publicações fora do universo da moda. Ou seja, se 2008 foi o boom do Heritage, 2010 foi o ano de saturação, que marcou o início de sua morte. Em Setembro de 2010 o Wall Street Journal publicou um artigo entitulado “Is L.L. Bean Driving the Runway” (L.L. Bean é uma marca outdoor americana super tradicional). O fato de uma notícia assim ser destaque no Wall Street Journal mostra como o look estava saturado. O artigo dizia:
“O homem macho está de volta. Ele está vestido preparado para enfrentar os elementos, parecendo tão robusto quanto um lenhador e também confiante em si mesmo. Ele pode caçar, derrubar árvores, explorar minas de ouro e pescar lagostas nas águas geladas. Mas a lista de habilidades guardada em sua mochila de lona encerada cresceu: agora ele também é ícone de moda…”
Sprezzatura, e o look Italiano
A saturação é o primeiro indicador de que a moda está pronta para seguir em frente, e não deu outra. A explosão de popularidade das imagens dos italianos no Pitti Uomo entre 2011 e 2012 mostrou que barbas, casacos Barbour e botas worker estavam rapidamente perdendo seu apelo. A maior feira de moda masculina do mundo virou um espetáculo, e as imagens dos senhores Italianos viralizaram a internet, dando início ao movimento #menswear no Tumblr e na blogosfera. Em 2015, se ainda restava alguma dúvida que o workwear estava “morto”, o artigo “Lumbersexual” (mais saturado do que isso não tem como) assina a certidão de óbito.
O ano 2011 viu o renascimento da alfaiataria, dessa vez sob a perspectiva macia de Nápoles. Os lenhadores e prepies viraram industrialistas playboys italianos. Três meses depois do artigo no Wall Street Journal, o Business of Fashion publica a reportagem “An Inflection Point in Menswear” relatando a mudança de foco:
“Eu não consigo criar mais coisas preppy. Eu não consigo mais fazer esse neo-tradicionalismo americano. A garotada em Williamsburg toda vestindo Red Wing Boots e barbas – é hora de experimentar alguma coisa nova.”
As botas worker, camisas de cambraia e malas de lona encerada deram lugar aos blazers de abotoamento duplo, calças com bainha italiana e double monks desafivelados. Como se tivesse uma bola de cristal, Tyler Brûle, editor-chefe da revista Monocle acertou em cheio quando disse:
“O futuro será bem “alfaiatado” (tailored): depois de anos de looks de moda emprestados das linhas ferroviárias, arrozais, estaleiros navais e agências policiais, parece que a era workwear chegou ao fim. Com certeza ela ainda terá seus seguidores em pequenos grupos em Brescia, Harajuku, Paddington em Sydney e em Portland, no Oregon, mas parece que moda masculina vai dar uma guinada para a alfaiataria.”
Fenômeno Pitti Uomo
O mercado global de moda masculina floresceu muito neste período, crescendo mais do que o feminino. Talvez graças a primeira onda de entusiastas e o fenômeno dos blogs, que começaram a se mobilizar fora da internet. O homem perde a vergonha e fica mais disposto a ousar e quebrar as regras (e não faltam marcas no mercado para ajudá-lo). Entre elas se destacaram as italianas, e essa alfaiataria macia ganhou espaço. Talvez pelos elementos familiares do “business casual” e também pela descontração. O estilo italiano é confortável, com ternos que vestem como camisas, e com braceletes… muitos braceletes, lenço de bolso, etc.
Pela primeira vez os homens estavam sendo fotografados em um evento de moda, e a vitrine da internet fez todo mundo começar a se esforçar bastante para aparecer. Se sua foto fosse tirada, ela podia ser publicada em algum lugar importante, e virar dinheiro ou um emprego. Ano passado o Business of Fashion comparou o desfile de street style no Pitti Uomo com uma liberação do estilo masculino. O homem que antes se interessava pela moda mas sentia a necessidade de esconder seu interesse atrás de coisas rústicas, havia tomado coragem e começou a admitir que gostava da tal moda.
Não que o heritage tenha desaparecido completamente. Os produtos e o estilo continuou bem comercial, com seu espaço no varejo. Até hoje continua, mas em 2014 era evidente que outras opções concentravam a atenção do mundo fashion, e a maior delas foi o look Italiano. E como tudo muda, não demorou para o interesse perder força. Aos poucos a paixão por lapelas foi substituída pelos sneakers e o interesse pela moda das passarelas que o “worker man” de outrora tanto odiava.
2014 e a volta de Heidi Slimane
O ano passado pareceu um replay dos anos 90. O estilista Hedi Slimane reintroduziu o grunge de Seattle e o look rocker da California através de suas coleções para Saint Laurent, que também foram bastante influentes até para marcas de roupas masculinas que não tinham nada a ver com isso. A Ovadia & Sons é quase irreconhecível, completamente diferente do seu período de glória #menswear, e as camisas de flanela xadrez foram vistas amarrado à cintura em quase todos os lookbook. Esse retorno é interessante, pois os anos do estilista na Dior Homme entre 2000 e 2007 foram super importantes, inclusive para o fenômeno do raw denim e os tênis minimalistas tipo “german army trainers”.
Novo Streetwear
Da mesma maneira, o streetwear fez um retorno muito forte, mesmo que com uma cara diferente. Enquanto o streetwear dos anos 90 girava em torno da cultura das t-shirts e da apropriação de marcas esportivas “brancas”, o streetwear moderno venera a raridade de marcas japonesas, e explodiu com a combinação entre sneakers e marcas “fashion”. Casacos Dries Van Notem misturados com Nike Air Force One, tudo influenciado pelo hip hop, que nunca esteve tão perto do universo “alta costura”.
O Minimalismo
No entanto, nenhum retorno foi tão interessante quanto a volta do minimalismo. Anteriormente, assim como agora, o minimalismo foi uma pausa nos excessos. Na década de 90 – quando foi trabalhado por Helmut Lang, Jil Sander e Prada – roupas austeras trouxeram novos ares após os exageros da década de 80 e a psicodelia da década de 70. Agora, ele também trás novos ares depois de anos vendo dândis do Pitti Uomo, roupas excessivamente detalhadas, sobreposições de dar inveja ao Homem Pneu da Michellan, e os bigodes encerados com ternos de tweed em encontros de bicicleta.
Para falar do minimalismo na moda eu acho que é legal separá-lo em duas partes. É claro que o minimalismo é muito mais complicado do que isso, e eu só o estudei superficialmente. Se você estiver interessado, o livro da Elyssa Dimant é um bom começo, e o site Rosentrott faz uma boa sinopse. Ambas leituras valem a pena.
Por um lado, o minimalismo pode ser frio. É duro e austero, com linhas afiadas, silhuetas quadradonas e paleta de cores monocromática. É neste grupo que fica o trabalho de estilistas como Helmut Lang, Maison Martin Margiela e do início de Giorgio Armani. Desde então, criadores como Rick Owens e Yohji Yamamoto têm ampliado o conceito, alongando a silhueta e acrescentando mais volume às roupas. Mesmo assim, até com cortes diferentes e chamativos, o visual ondulado e volumoso faz quem veste a roupa parecer impessoal e isolado.
Por outro lado, o minimalismo também pode ser quente. Em vez de isolado, quem veste parece acessível. Mais cores são introduzidas e as silhuetas são menos extremas (o que é skinny vira slim, e o que é volumoso vira apenas relaxado). As roupas são simplificadas e retornam às suas formas essenciais – uma jaqueta bomber ainda se parece com uma jaqueta bomber, mesmo que seja feita com um material um pouco mais luxuoso.
Temos vários exemplos de estilistas e marcas que fazem este tipo de trabalho: Our Legacy, Patrik Ervell, Yaeca, e até a clássica APC. O look também faz parte da identidade de grandes lojas masculinas, como a Tres Bien, Inventory, e 1LDK. É verdade que as pessoas vêm comprando destas marcas há muito tempo, mas quase sempre para combinar com outras roupas inusitadas. Já o minimalismo quente, é o comprometimento total com um look simplificado.
O minimalismo frio é muito interessante, mas para a maioria das pessoas ele é muito difícil de usar. Helmut Lang e Margiela até que não, mas encontrar alguém realmente capaz de usar o trabalho do Rick Owens e do Yohji Yamamoto é muito difícil. O minimalismo quente, por outro lado, as vezes chega a ser fácil demais de usar. O site Rosenrot fala sobre isso neste post sobre Pós Minimalismo:
“A moda mainstream dos anos 90 foi marcada pela mudança de foco para a arena das mulheres, onde estilistas como Calvin Klein e Donna Karan faziam roupas fáceis de usar para as mulheres trabalhadoras modernas. Klein identificou sua versão do minimalismo como uma indulgência em cortes soberbamente executados, tranquilos jogos de tons e cores, e formas limpas e forte.
Embora o minimalismo formal desencorajasse a figuração, o pós-minimalismo permitia referências casuais ao corpo humano, desde que elas aparecem da forma mais redutiva possível, por exemplo nos indescritíveis vestidos justos de Klein. […]
Na verdade, essa marca americana de minimalismo pós-moderno beirava o genérico, tanto que não podia ser separada das ofertas do mercado de massa da Gap, Levi’s, etc, exceto por meio de seu rótulo. Em essência, a própria etiqueta se tornou o único fator de compensação para a falta de forma, porque frequentemente a qualidade das ofertas não estava correlacionadas com os preços nas etiquetas.
O logotipo tinha ironicamente se tornado a peça central, elevando produtos com qualidade de mercado de massa para o nível do mercado de alta-costura, o que, em seguida, levantou a questão: quão pouco é muito pouco?”
Essa volta do minimalismo nos dá duas coisas importantes. A primeira é um momento de simplicidade refrescante após um longo período de excesso, muito detalhamento, e ostentação (como vimos tanto entre os dândis alfaiatados quando os hypebeasts com suas camisas e bermudas cheias de gráficos). A segunda, exclusivamente no caso do minimalismo quente, é uma chance de trazer ainda mais homens para o círculo da moda masculina.
A primeira leva de entusiastas veio junto com a tendência Americana/Heritage, lá em 2008, quando os blogs explodiram e a moda para homens podia ser discutida em termos técnicos e masculinos, ocultando o fato de se estava falando de moda. O visual do minimalismo quente pode atrair novos interessados porque é fácil de ser adotado e tranquilo de digerir. Não gosta de roupas skinny? Experimente os looks descontraídos de Margaret Howell. Quer o conforto de um tênis sem a necessidade de usar calçados de corrida? Olhe os produtos da Common Projects. Detesta excesso de detalhamento? Experimente as peças básicas da Dana Lee.
Em um artigo para a Revista T no ano passado, Cathy Horyn elogiou Hedi Slimane por trazer de volta roupas simples e usáveis. O tagline do artigo dela é: “roupas simples e comerciais costumavam ser a antítese da alta moda. Agora, elas são a referência.”. Vinte anos atrás, John Seabrook escreveu algo semelhante sobre Helmut Lang:
“A mistura entre casual e formal de Lang não é apenas uma questão de marketing; ela é o cerne da sua estética. Suas roupas formais mais caras têm a facilidade e simplicidade das coisas cotidianas, e suas roupas casuais tem a exatidão e o detalhamento do prêt-à-porter. A maioria dos estilistas de alta-costura, cujas inclinações naturais são para ornamento e glamour, não fazem roupas casuais muito bem – o tecido é muito rico, o estilo muito elaborado. Mas a distinção de Lang como designer é justamente o seu instinto para o apelo dos itens mais básicos, como um velho moletom azul ou uma t-shirt macia graças ao uso. Ele criou um gênero totalmente novo de roupas casuais de luxo. De acordo com Katherine Betts, o editor-chefe da Harper Bazaar, Lang fez pelas t-shirts e jeans o que Ralph Lauren fez por gravatas e blazers de tweed, ele os fez peças fashion.”
Até que dá para tentar explicar a volta dos volumes e deste visual mais minimalista. Alexander McQueen nos deixou o legado infeliz das calças com cós baixo, deixando-nos com silhuetas estranhamente bissectadas (pelo menos para aqueles que colocam as camisas para dentro da calça). Heidi Slimane, Jil Sanders e Tom Ford começaram a encolher o terno. Thom Browne terminou, e nos deixou o legado das calças extremamente curtas. O design da indústria de moda masculina estava encolhendo e encolhendo as roupas – calças com barra bem alta, calças com cós baixos, paletós com lapelas menores, blazers curtos, golas menores, modelagens com medidas reduzidas, e cortes mais estreitos.
Era certo que em algum momento daríamos um um passo para trás e começaríamos a pensar seriamente em silhuetas mais relaxadas, não apenas para encontrar a próxima tendência, mas também para recuperar um pouco do conforto e mobilidade.
E tem também o desgaste da produção de conteúdo quase que investigativo que os blogs e as publicações fizeram durante a era do workwear, além da meticulosidade da alfaiataria logo depois durante o período “Italiano. E se pensarmos bem, também tem a constante necessidade de estar um passo a frente desse novo streetwear, com os últimos tênis e as últimas peças gráficas fácilmente reconhecível. Tudo isso cansa, e pode transformar algo prazeroso em stress. O retorno da simplicidade é um bom momento para recuperar o fôlego.
Roupas simples e usáveis serão mais populares no próximo ano ou dois lá fora, e quem sabe um pouco depois aqui no Brasil. O workwear parece que não pegou por aqui, tirando as botas. Talvez nunca pegue, já que a onda passou lá fora e a internet encurtou a distância, deixando a gente bem mais perto da onda de street wear fashion que domina o mercado. Outra barreira para o workwear é que não temos as mesmas raízes que a Europa e os Estados Unidos, nem a cultura detalhista do Japão, além do clima quente demais para os materiais robustos. O visual italiano passa pelas mesmas dificuldades, além do conservadorismo. Temos blogueiros sendo fotografados nas semanas de moda que me lembram o auge dos pavões no Pitti Uomo, mas pode ser que os homens brasileiros sejam muito fechados à ideia dessa alfaiataria ousada. Por isso eu acredito no simples, não apenas como coisas que você pode incorporar facilmente em qualquer guarda-roupa, mas como componentes para um look total – um visual quente, mas minimalista.
Parabéns, esse post está muito bom!
Oi Gabriela, tudo bem? Muito obrigado pelo seu comentário.
Muito bom, li com vontade de que o texto não acabasse.
Obrigado, Raul. Grande abraço!