A calça jeans pode ser a campeã dos guarda-roupas, mas a calça chino masculina não fica atrás no quesito versatilidade ou estilo. Trata-se de uma calça de sarja, confeccionada em algodão, que faz uma espécie de ponte entre a casualidade do denim e o requinte da calça social.
Hoje, reuni tudo o que você precisa saber para usar essa peça incrivelmente versátil. Vamos começar explorando sua história e depois compartilhar inspirações para você adotá-la com mais frequência a partir de agora.
A chino têm uma história peculiar que começou no final do século 19. Durante a Guerra Hispano-Americana nas filipinas, as tropas americanas adotaram uniformes confeccionados em sarja de algodão bege. Pela proximidade, a produção, era chinesa. Como você já deve ter imaginado, esta é a origem do nome da calça.
Este uniforme tropical americano foi inspirado pelos uniformes que os britânicos estacionados na Índia começaram a vestir por volta de 1840. Sir Henry Lumsden tingiu seu pijama de algodão com uma coloração amarelo-marrom para criar um uniforme mais camuflado e adequado ao clima. Pouco tempo depois, todos os regimentos britânicos e indianos passaram a usar uniformes cáqui, palavra derivada da palavra “Khaki”, que em Hindustani refere-se à cor “cor do solo”.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Exército dos EUA utilizou novamente a sarja cáqui em seus uniformes, que neste período já tinham aparência moderna. Não achei boas fotos das calças britânicas do século dezenove para comparar com as americanas do mesmo período, mas a diferença mais marcante entre as calças chino americanas da Segunda-Guerra para os uniformes Europeus em algodão é que em um esforço para economizar tecido, as calças dos Estados Unidos não tinham pregas. Mais para frente esse pequeno detalhe veio a representar a casualidade do estilo americano em relação ao vestuário britânico e suas regras.
Eu diria que o design dos uniformes americanos da Segunda-Guerra mundial é o padrão atual, pois desde então, as calças chino mantiveram praticamente as mesmas características: tecido de sarja confeccionado em algodão, modelagem sem pregas (talvez essa seja a exceção principalmente durante os anos 80) e bolso faca frontal.
A calça, que durante os diferentes períodos manteve seu apelido “chino”, fez a transição para a vida civil quando os jovens soldados voltaram para casa após o término da Segunda-Guerra Mundial. O ato de reajuste dos militares de 1944 conhecido como o G.I. Bill, ofereceu uma série de benefícios para os veteranos. Entre estes benefícios estava a oportunidade de cursar uma universidade gratuitamente. A calça chino e outros trajes militares passaram a ser uma visão comum nos campi universitários, levando uma geração a enxergá-las como um símbolo do descolado estilo americano que passou a dominar o imaginário popular no pós Segunda-Guerra em grande parte graças a máquina cultural de Hollywood.
Uma simples calça bege dizia muito sobre como os americanos misturaram trabalho e lazer, utilitarismo e estilo para definir roupas casuais e mudar o guarda-roupa ocidental masculino. Lembrem-se que estamos falando de uma época em que ia-se para a universidade com paletó e gravata. Se liga nas fotos abaixo e veja se não até hoje não seria um visual legal!
Eu acredito que a popularidade da calça veio de como ela foi vestida nessa época. Esses jovens universitarios veteranos, e depois outros que seguiram seus passos, as vestiam com blazers, penny loafers, camisetas, e tênis de lona. Talvez em parte como sinal de patriotismo, com certeza pelo conforto, praticidade e durabilidade do tecido.
Quem sabe até como uma forma de não se conformar ao mesmo padrão da geração anterior, principalmente após um conflito tão traumatizante. Afinal, os estudantes da Ivy League eram conhecidos por um estilo rebelde e mulheres também começaram, para o terror da sociedade na época, a vestir essas calças beges.
Até os anos 80, eu diria que as calças chino (principalmente na cor khaki) possuíam esse apelo utilitário e um ar de simplicidade. Isso mudou um pouco, na minha opinião, durante os anos 80 quando a cultura da sexta-feira casual as colocou como a melhor opção para os tipos corporativos vestirem nos dias mais casuais da firma. Acho que nessa época elas perderam um pouco do charme e ganharam uma imagem careta.
Tanto que em 1993, a Gap lançou sua famosa campanha “Who Wore Khakis”, apresentando fotos em preto e branco de figuras históricas como Amelia Earhart e Miles Davis vestindo calças chino. A intenção era claramente resgatar o lado utilitarista da peça – e a ideia de uma simplicidade atemporal que se manifestou em várias eras e em todas as esferas da vida para todos os tipos de pessoa.
Desculpa pela quantidade de fotos em sequência, mas eu acho essas imagens sensacionais. Elas já servem como inspiração para você vestir suas chinos! Arthur Miller com uma camisa utilitária e um oxford moc-toe, James Dean com blazer de algodão e suéter, John Wayne com botas de cowboy, Jack Kerouac com chinos e camisa oxford button down, Miles Davis de polo manga comprida, Warhol com camisa social e paletó, Gene Kelly também de boné, Norma Jean de suéter, Muhammad Ali de coturno, Steve Mcqueen bem a vontade, Carole Lombard no visual safari e Amelia Earhart com o clássico uniforme aviador.
Por estes mesmos motivos: simplicidade, utilitarismo, acessibilidade e versatilidade, eu considero a calça chino uma peça que todo homem deve ter em seu guarda-roupa. Embora sempre casuais, elas vêm em diferentes sabores de informalidade permitindo que sejam vestidas em looks casuais e também aqueles mais sofisticados. Para te ajudar na escolha, preparei algumas dicas.
Espero que minhas opiniões te inspirem a vestir chinos com mais frequência!
Eu gosto das minhas calças chino levemente amarrotadas. Evito vincar as pernas quando passo e minha dica é pensar nelas como uma peça super casual e aceitar o desgaste. Assim como calças jeans, as calças chinos ficam melhores com o tempo.
Uma das melhores combinações (na minha opinião) é clássica e aparece algumas vezes nas fotos acima: uma chino bem gasta com blazer, camisa button down de tecido oxford e penny loafers marrons. Se quiser, pode seguir o exemplo universitário dos anos 50 e dobrar um pouco a barra. Se calça estiver muito nova, essa combinação fica um tanto rígida e careta. Então quanto mais batida a calça, mais estiloso fica este look e outros que tendem para o lado casual!
Mas o que seria esse lado casual? Para te ajudar a entender, gostaria de separar três variedades de calça chino!
O primeiro tipo de calça chino é o casual, que você mais encontra nas lojas. Esse tipo de chino normalmente tem o gancho mais baixo e é feito em material mais leves do que o padrão militar de outrora. Elas costumam tem detalhes que deixam a calça com aspecto o mais casual possível, ou até mesmo usado. Alguns destes detalhes são: pontos da costura duplas visíveis em ambos os lados da perna, linha da costura aparente em todo o acabamento, e até mesmo algum tipo de lavagem como um desbotamento sutil na coxa ou bolsos e barra levemente desfiados.
Veja o exemplo abaixo e mais ao final do texto você vai poder compará-lo com um outro tipo:
Esta variação combina muito bem com camisas casuais… aquelas camisas feitas com tecidos mais ásperos (como oxford, jeans, sarja, linho, chambray) ou tecidos estampados (xadrez, madras e estampas variadas). Se a barra da camisa for mais curta, você pode até usar para fora da calça, tomando cuidado para não combinar uma calça com cintura muito baixa e uma camisa muito curta.
Esse tipo de chino também vai muito bem com camisetas, pólos e jaquetas casuais (jaquetas jeans, variações com inspiração militar, cardigãs, etc). Pense nele, principalmente se a modelagem for contemporânea, em um substituto para a calça jeans que você usa todos os dias. Nos pés, combinam com botas, sapatos casuais e até mesmo tênis. Na hora de escolher o calçado, eu gosto de seguir o mesmo padrão da parte de cima: se estou de camiseta, um tênis ou bota masculina rústica. Se estou de camisa, uma bota ou sapato casual, e por aí vai. Você pode até colocar um paletó se o mesmo for feito em um tecido casual (quanto mais textura, mais casual) e tiver detalhes também casuais. Por outro lado, são os menos adequados para você vestir com camisas mais elegantes (lisas feitas em popelina, aquelas que não têm bolso no peito ou possuem abotoamento oculto) ou um paletó formal.
Confira algumas fotos para inspirar!
Esse tipo de calça chino é o que eu recomendo para quem curte o estilo rústico e o workwear, mas não quer necessariamente se aventurar por uma estética vintage ou mais “estilosa”. Essa calça, por seus detalhes, consegue dar um ar utilitário para o visual e combina muito bem com calça jeans e bota, sem ficar estilosa ao ponto de sair do “padrão”. É um whisky com gelo, uma cervejinha mais fraca. Faz sentido? Talvez fique mais fácil com os dois exemplos abaixo. Observe e depois compare com as fotos que vão ilustrar o próximo tipo de calça chino.
Eu deixei a foto acima por último para você comparar com as fotos logo abaixo, exemplos do segundo tipo de calça chino.
A segunda variedade é a chino workwear, que difere da primeira categoria em material e modelagem. Essas calças são feitas com sarjas de algodão mais resistentes e existem em caimentos variados. Enquanto as calças masculinas tradicionais acima precisam vestir de conforme os padrões em vigor, as chinos workwear podem ser mais largas nas pernas, ter cinturas mais altas, estar mais amarrotadas (mas não necessariamente). Resumidamente,, elas devem parecer um pouco mais robustas já que a proposta é expressar uma certa sensibilidade que só o vestuário utilitário tem.
Compare as fotos acima, onde a pessoa veste camisa azul ou bota marrom, com os exemplos abaixo:
Esse segundo tipo de calças chino também podem ser vestido também com camisas de cambraia, flanelas xadrez, casacos robustos e botas mais pesadas. De maneira geral, muitas coisas que você pode vestir com ela não são muito diferentes do que você pode usar com as calças chinos casuais, mas o resultado final é diferente. Como você deve ter visto nas imagens acima, uma camisa de cambraia usada com a réplica de US Army Chino da Segunda Guerra fica muito diferente do que uma combinada com uma calça comprada em uma loja mais padrão, tipo uma Richards.
Este estilo de chino mais “fiél” a calça chino da “era de ouro” proporciona um efeito diferente até mesmo quando combinada com um All Star. Se a primeira é uma calça neutra tanto em termos de combinações quanto em estilo, essa variedade tem um tempero a mais.
Reparou como mesmo quando combinado com uma simples camiseta, o caimento do tecido ou a modelagem um pouco mais tradicional
Acho que é um pouco subversivo dentro da moda masculina atual, porque vai contra a convenção comum onde onde caimento justo e aparência elegante são valorizadas. A chino mais larga, dobrada e mais pesada dá uma personalidade o que você normalmente não consegue com uma calça padrão. Inclusive, os mais estilosos conseguem até combinar perfeitamente com roupas mais elegantes. Certamente é a escolha mais ousada e consegue deixar até um blazer um pouco mais “punk”, relembrando o pensamento dos universitários após a segunda-guerra.
Talvez seja por isso que fotos antigas parecem tão estilosas. O corte largo é confortável e relaxado e, com isso os homens pareciam à vontade em alfaiataria mais estruturada e roupas casuais. Veja alguns exemplos atuais que combinam o extremo de um chino militar/work com alfaiataria. O segredo parece ser complementar com calçados, acessórios ou detalhes propositalmente informais.
E com isso finalmente chegamos ao terceiro e último tipo, que seria a “chino social”. Estas são o oposto do modelo acima. Incorporam detalhes mais refinados para elevar o design casual, deixando-a o mais próximo possível de uma calça social
As calças de chino sociais se distinguem por ter costuras ocultas em ambos os lados da perna e em seu acabamento. A cintura também costuma ser mais alta já que ela é feita para ser vestida com a camisa para dentro e um paletó de alfaiataria. Também são feitas de materiais mais suaves e geralmente tem acabamento mais refinado. A bainha costuma ser inacabadas para que você possa ajustar o comprimento com mais facilidade, já que ao contrário das opções acima, elas não funcionam muito bem com a barra dobrada (opte por fazer a bainha italiana se quiser o efeito).
Apesar de ser o tipo mais social, elas são indiscutivelmente as mais versáteis para quem tem um guarda-roupa clássico neutro, porque podem ser com camisas casuais, camisas sociais, camisas polo de manga comprida, cardigãs, blazer esportivo, ou até mesmo paletó e gravata. Ao contrário das calças chino work/militar, elas não surtem um efeito de contraste extremo com as peças mais sociais. Ao contrário das chinos casuais, elas não se limitam a alfaiataria mais casual de todas e ainda conseguem dar uma elegância a mais para camisas informais.
Eles não devem ser usados, no entanto, com camisetas surradas ou botas e jaquetas robustos. É possível, mas assim como o caso do chino work com alfaiataria, um esforço de alto-risco.
Segue mais alguns exemplos para inspirar!
Com certeza, o conflito entre peças formais e informais pode ser muito estiloso se esse for o objetivo, mas entender as diferentes sensibilidades que as roupas têm e, em seguida, combiná-las de acordo é um conhecimento muito útil para quem está querendo se vestir de maneira mais harmoniosa e mais discreta. No caso da calça chino, isso significa reparar nos detalhes que diferenciam uma calça mais casual, de uma autêntica chino militar/worker e uma versão mais social. chino social mais neutro serve muito bem como âncora. Prestar atenção nestes pequenos detalhes e caimentos que separam diferentes calças chinos também pode ser muito útil para as pessoas que se identificam com uma estética ou imagem e gostariam de replicar. O efeito retrô, casual e desleixado que tem uma chino militar com a alfaiataria, ou o rústico de um chino plargo com jaqueta de couro surrada e até mesmo não fica a mesma coisa com qualquer calça.
Mas, no fim das contas, a GAP falou bem na sua campanha “Who wore kahkis”. A calça chino bege é versátil, utilitária, confortáve, e serve para todos os tipos de pessoas e diversos estilos de vida. Divirta-se encontrando qual é aquele que te representa!
Ver Comentários
Excelente texto. Obrigado por compartilhar esse conhecimento.
Posso considerar a Dickies 874 uma calça chino ?
Fala, Adriano. Sim, e se quiser ver um pouco mais sobre a Dickies pode acessar esse post aqui: https://www.soqueriaterum.com.br/dickies/
Onde comprar calça chino em BH?
Oi Wallace, beleza? Tem uma marca de BH com proposta interessante chamada Niobio. É tudo online: https://minhaniobio.com/
Tudo bem, Wallace?
Eu sou o Caio da Nióbio. Nós fazemos chino sob medida de maneira simples e online. São baseadas em 8 medidas do seu corpo e 4 decisões de estilo. A gente deixa do seu jeito ou o dinheiro de volta.
Somos de BH também, se quiser fazer uma visita nos chama no Instagram (@minhaniobio) estamos no Mangabeiras. Como o Lucas disse, nosso site é: https://minhaniobio.com/
Muito obrigado pela lembrança, Lucas!
Excelente como você aborda os assuntos em moda masculina Lucas, desde a apresentação do contexto histórico de criação/surgimento das peças até a discussão com um olhar crítico sobre seus usos.
Acho muito boa essa forma de compartilhar o conteúdo de moda masculina, certamente está bem adiante do que faz a maioria dos demais blogs, canais e páginas mais populares no Brasil.
Só me resta agradecer (obrigado!!!) e esperar novas publicações.
Obrigado, Ulisses. O seu comentário me deixa muito feliz.
Gosto de escrever sobre aquelas roupas e aqueles estilos que tem a minha atenção no momento, compartilhando um pouquinho da minha jornada de de descoberta. Eu tento não passar "regras", mas compartilhar o meu ponto de vista do que é legal esteticamente pois os textos são mais sobre estilo pessoal e a moda como algo divertido de observar do que sobre se dar bem na vida através da imagem, rs.
Valeu por acompanhar. Eu tenho publicado menos do que costumava, mas tem muito texto aí para trás! Se você quiser, também segue lá no instagram @soqueriaterum.
Abs!
Muito grato pelo texto, adoro saber historia do que estou usando.