Hoje o post é sobre duas marcas que eu curto muito: Mister Freedom e Frewheelers, além da ideia de plausibilidade nas coleções inspiradas no vintage. Essa história começa lá no Japão. O interesse deles pelo vintage americano é enorme. A concentração de marcas desse nicho é inacreditável.
Além dos garimpos ,existem as “repro brands”, especializadas em reproduzir cada detalhe de uma peça antiga. Elas surgiram porque a oferta de originais não dava conta da demanda. Mais ou menos na mesma época que esse movimento apareceram marcas que fundadas por apaixonados pelo vintage que queriam imprimir a identidade japonesa nos produtos que admiravam. Uns garimpavam, outros replicavam e outros criavam algo contemporâneo.
No meio do caminho apareceram marcas combinando um pouco de tudo. Trabalhando a criatividade mantendo a estética de outrora. A japonesa Freewheelers e americana Mr. Freedom são excelentes exemplos que conseguem criar o que não existiu, mas poderia ter existido. A imaginação voa, mas geralmente não foge do que era possível em uma época ou período determinado. Os produtos tem plausibilidade, ou seja, dá para acreditar que alguém poderia ter pensado na ideia há anos atrás se as estrelas estivessem alinhadas.
Japão e o Vintage
É importante começar falando sobre o vintage no Japão. Existem várias marcas legais nesse nicho espalhadas pelo mundo todo, mas pode-se dizer que tudo começou por lá.
O gosto pelo vintage no Japão é tão grande que as lojas têm “garimpeiros” pelo mundo. Esse interesse começou quando o país adotou o estilo ocidental. Aumentou na ocupação após a segunda-guerra, quando a sociedade passou a prestigiar qualquer coisa norte americana. Nos anos de fome e escassez, o conforto material dos Americanos era sinal de alegria e prosperidade.
Enquanto os americanos curtiam shoppings brilhantes na década de 80, os pioneiros japoneses espreitavam cantos empoeirados nos Estados Unidos. A demanda japonesa pelo vintage americana era enorme, enquanto nos EUA quase ninguém fazia ideia do potencial de velhos Levis e Lee.
Foi assim que por décadas os Japoneses saquearam o deadstock norte-americano. Estima-se que dois terços do que existe de mais raro, especialmente da variedade denim e workwear, esteja em mãos japonesas.
Como ninguém é bobo os americanos se ligaram. Até distribuíram o guia “Wanted in Japan”, que classificava e listava o preço para cada item. Distribuidores montaram esquemas elaborados para encontrar os melhores tesouros. Muitos jovens perceberam a oportunidade e começaram a garimpar. A competição aumentava os preços subiam…
Na década de 90 os valores exorbitantes e os colecionadores excluíram muitos consumidores normais. O porão da Berberjin, loja em Harajuku, guarda calças Levi’s de 1930 avaliadas em cerca de 10 mil dólares e aficcionados monopolizam achados extraordinários. Já que estava difícil conseguir os originais, algumas pessoas resolveram fazer replicas ainda melhores. Assim nasceram as “repro brands”.
As Repro Brands
Quero falar um pouco mais delas porque é uma parte importante de criar “novo vintage” plausível. É importante porque foi o trabalho dessas marcas que chamou atenção para pequenos detalhes, tipos de material, métodos de fabricação e toda a preocupação com qualidade “autêntica”.
As repro brands são marcas que buscam recriar os mínimos detalhes de uma peça vintage. Os primeiros a pensar assim comparam produtos como o Levi’s 501 velho e o novo e notaram várias diferenças. Porque o azul não era o mesmo? Porque o caimento é diferente? Porque a arte e as etiquetas mudaram?
Eles pesquisaram detalhes como o comprimento da fibra de algodão, para que lado os fios eram torcidos e qual o peso do tecido. Com essa informação eles conseguiram motivar e reviver as fábricas locais, que precisavam desesperadamente de pedidos. Foi um fato impressionante, pois nem mesmo as americanas mais antigas toparam. A Levi’s, por exemplo, recebeu propostas da divisão japonesa mas só foi acreditar na ideia quando o bonde já estava andando.
Muitas marcas japonesas e do mundo participaram, e ainda participam desse nicho. Se esforçam para recriar os originais com muita atenção aos detalhes. Tudo baseado na idéia de que os produtos americanos do passados tinham uma funcionalidade e durabilidade que faltam em peças contemporâneas.
Hoje você encontra marcas no mundo todo fazendo esse tipo de trabalho, mas todas elas devem bastante aos primeiros caras que pensaram em recriar as Levi’s Antigas e outros clássicos. A gente vai ver a mesma preocupação com detalhes corretos da época na Mister Freedom e a Freewheelers, mas sem tanta preocupação em replicar exatamente o original.
Mistura de Influências
Algumas cabeças inquietas queriam ir além da replica. A Evisu, Kapital e a 45rpm são grandes exemplos. As três foram fundadas entre final dos anos 80 e meados da década de 90. As três foram fundadas por apaixonados pelo vintage que queriam imprimir a identidade japonesa nos produtos que admiravam. Uma mistura de estética e artesanato para mostrar a “velha América” através dos olhos de um Japonês. A Engineered Garments e de certa forma, a Visvim, são outros tipo de exemplo. Elas se inspiram em roupas e ideias do passado e coloca detalhes ou meios de produção peculiares em clássicos workwear, western, surf, militares e esportivos.
Eu acho essas marcas importantes porque libertaram a criatividade e deram confiança principalmente para o mercado japonês. Até certo ponto eles não entendiam porque os americanos e europeus se interessavam tanto por suas réplicas e criações, sendo que tinham os originais. Hoje, quem curte esse tipo de marca e estética, costuma dizer que os japoneses fazem americano melhor do que os americanos.
Acredito que essas marcas, que não são tão literais e brincam com a moda mais comercial, ou conceitual, ajudaram a difundir o estilo para uma audiência que talvez não se preocupe tanto com o original e o retrô, mas sim com um produto bem pensado e criativo, com uma apresentação bonita.
Não existiram, mas poderiam ter existido!
Uns replicam, outros criam algo único e contemporâneo. No meio do caminho apareceram aqueles que trabalham a criatividade mantendo a estética de outrora. Marcas como Freewheelers e Mr. Freedom foram criadas por pessoas que participaram da febre do garimpo e das repro brands, até acumularem ideias para criarem o que não existiu, mas poderia ter existido, digamos… se as estrelas estivessem alinhadas.
Existem outras marcas assim mas para mim essas são as melhores. O que elas tem em comum é que o design tem inspiração histórica, mas não sofre a pressão de ser 100% preciso e nem matam a vontade de escapar da “realidade”. Muitos dizem que a forma como os produtos dessas marcas são criados tem “plausibilidade”.
As marcas deste estilo geralmente tem o seu maior mercado no Japão e é por isso que eu falei tanto do país. Pra fazer sucesso lá geralmente é feito nos Estados Unidos, Europa, ou em casa, e eles pagam caro por isso. Tenho algumas teorias…
Primeiro porque tem os materiais de qualidade e os altos custos de vida e mão de obra nestes países. Segundo, o controle de qualidade. O workwear de antigamente não passava pelo mesmo rigor e defeitos eram aceitáveis nos uniformes de trabalho. Atualmente nós não aceitamos nenhum ponto fora do lugar. Terceiro, o mercado Japonês é muito homogêneo e relativamente grande. O país tem dinheiro em circulação igual ao débito nacional (ninguém vive de crédito). Os fabricantes sabem que mesmo com todos os custos de importação e com a baixa demanda, eles só precisam vender para uma pequena, mas grande, parcela da população que tem interesse e milhares de dólares no banco. Quarto, eles amam a ideia de “o melhor”, e estão dispostos a pagar caro por isso.
Essa progressão do vintage por lá criou o mercado perfeito e quase todos os produtos da Freewheelers e da Mister Freedom, mesmo com preços altos, esgotam!
Plausibilidade
Do site da Mister Freedom:
“As roupas são baseadas em simples scripts com o guarda-roupa de um personagem fictício em uma situação historicamente plausível. Estas não são réplicas para encenações. São roupas que poderiam ter existido, mas por algum motivo, não existiram. As histórias são influenciadas por filmes, memórias, fotos antigas e contos que eu ouço e leio.”
O termo é usado para indicar que uma peça atual poderia ter existido durante um certo momento da história. Esse exercício de imaginação, divertido, é diferente das – excelentes – reproduções meticulosas de marcas como a Real McCoys ou Buzz Ricksons, ou das amálgamas feitas pela Kapital e Engineered Garments. É diferente também do “vintage inspired” que a gente acha tanto na moda de passarela quanto na moda comercial, onde um elemento superficial é replicado sem muito critério.
Mister Freedom
A Mister Freedom pertence ao francês Christophe Loiron, que se mudou pra Califórnia aos 24 anos após servir a marinha francesa. O Christophe foi um dos caras que garimpava pelos Estados Unidos e Europa para vender para os Japoneses. Ele começou a personalizar peças depois de anos atuando nesse mercado. Aos poucos, o mezanino da loja se transformou em um ateliê criativo, e as customizações em coleções.
O blog da marca é recheado de histórias e devaneios sobre cada produto criado, com muitas fotos, referências e ideias. As criações são inspiradas por fotografias pessoais, filmes antigos, viagens, livros ou simplesmente uma boa história, ele desenvolveu a marca própria, que já completou 10 anos. Muitas criações, inclusive, são inspiradas na juventude do fundador, que volta e meia posta uma foto antiga com um item do seu passado que inspirou o presente:
A primeira coleção da Mister Freedom contava a história de um marinheiro mercante durante os anos 30 e 40. Ele encomendava roupas para o alfaiate local de cada base visitada durante a jornada pelo Pacífico. A marinha mercante não tinha regras de uniforme tão rígidas quanto a US Navy, e por isso era possível personalizar as encomendas. O marinheiro misturava uniformes navais e roupas de trabalho com um pouco o que via pelo mundo, aproveitando tecidos e materiais que conseguia no caminho.
Uma das peças principais dessa coleção foi um deck coat, inspirado no Pea Coat original da Marinha Americana. O marinheiro trocou a lã pesada por um denim de 15.5 onças, mais adequado no clima do Pacífico Sul. O forro listrado ele fez com uma roupa de cama que comprou durante um tour pela Europa. Esse esse tecido realmente é dessa época e realmente foi garimpado, mas pelo próprio Christophe. Uma outra peça foi camisa de cambraia com um bolso interno para o passaporte e um bolso curvo no peito para fácil acesso. O tecido dessa camisa foi desenvolvido especialmente para a coleção, com base em um macacão da época, outro garimpo do Christophe.
A segunda coleção contou a história do mesmo navegador, dessa vez desbravando o sul do Oceano Índico. Mais experiente, o protagonista vestia roupas desbotadas pelo Sol e água do mar. Uma das peças mais legais foi a camisa CPO com uma “Liberty Cuff”. Apesar de se contra as regras, era costume customizar as camisas do uniforme. Os marujos bordavam o interior do punho, invisíveis aos olhos dos Oficiais. Eles dobravam as mangas enfeitadas quando estavam em alto mar, exibindo os desenhos com orgulho.
A coleção seguinte, lançada em 2009, falava de três irmãos. A ideia apareceu em 2008, em uma loja abandonada com a placa “Speed Safe Clothing for Modern Riders”. Essa loja tinha pilhas de produtos cobertos por 40 anos de poeira e as paredes a estavam lotadas fotos antigas. A loja havia pertencido a três irmãos: Lino, um lutador, Marlon, um mecânico, e Eddie, um alfaiate. Eddie começou a fazer roupas para os irmãos, motociclistas. Os amigos gostaram e eles abriram a pequena loja em 1930 para atender a demanda. A coleção tinha as peças favoritas dos três irmãos, designs originais que passeiam pela história do motociclismo entre 1930 e 1960.
Desde então foram muitas outras coleções, colaborações, e novidades.É diferente de uma inspiração distante. Aos olhos do colecionador de vintage as ideias fazem sentido. É tudo uma tentativa de imaginar o que uma pessoa, naquela situação, naquela época, estaria vestindo. As roupas são tratadas para parecerem peças antigas que nunca foram usadas. Os tecidos são recriados ou feitos especialmente para uma coleção, e você não encontra em nenhum outro lugar. Eles reaproveitam muitos materiais, e colocam vários detalhes vistos em fotografias, livros ou garimpos. São roupas poderiam ter existido, se o tal marinheiro estivesse no lugar certo e na hora certa. Se você ver numa arara de peças vintage, elas te enganam, mas se você usar com roupas atuais, não fica com cara de fantasia.
Freewheelers
A Freewheelers tem linhas focadas especificamente em uma idéia, geralmente baseada em uma era ou grupo do passado Americano. A marca é subdividida em algumas linhas, com coleções limitadas, mas também têm uma gama permanente com muitos básicos, como jeans, henleys e casacos de couro. Eles não fazem reproduções históricas exatas, mas tudo é inspirado por alguma era da moda masculina.
Uma das minhas coleções favoritas é a “Life Beside East River”, sobre uma área florestal em Nova Iorque no início do século vinte. Outra coleção é inspirada na busca pelos Estados Unidos durante os anos 60. Uma época confusa, de conflito de gerações, quando muitos jovens partiam em longas viagens de moto em busca de si mesmo. Quem está ligado no Netflix deve ter visto a série Frontier. Na coleção Trading Post a Freewheelers conta um pouco sobre este período de troca entre os nativos e colonos ao redor dos grandes lagos. As coleções seguem abordando temas da história americana, como a construção das ferrovias, a busca pelo ouro e o verão do amor.
Essa marca é diferente da maioria das marcas japonesas deste estilo. No geral, você não vai encontrar informações sobre o tecido a não ser uma simples descrição da cor e do tipo. Você também não vai encontrar informações sobre o método de construção. Nada do tipo de máquina de costura, a dificuldade de produção, os botões e zippers personalizados de acordo com especificações da época… etc. Só o que você vai achar é um pouco sobre o que os inspirou a produzir uma determinada peça. A inspiração pode ser um escritor, um lugar, um fotógrafo, um explorador, ou um tipo de trabalho… etc.
A nomeclatura dos produtos também é muito interessante. Até onde eu sei, nenhuma das referências que eles fazem a famosos escritores e outras figuras importantes é baseada em uma roupa exata que o indivíduo em questão vestiu. É interessante e muito do resultado final tem a ver com a sensibilidade de quem está criando.A ideia vem de uma fotografia, da imagem de quem aquela pessoa era, de como e quando vivia, e o que gostava de vestir. O produto final não é uma cópia exata de um original, é algo novo que parece ter saltado de algum momento da história. Assim como na Mister Freedom, a imaginação voa, mas restrita ao que era possível na época ou período determinado.
O marketing deles não é feito através de especificações técnicas, tecidos ou os designers e estilistas. Se você ler a filosofia da Freewheelers vai entender porque você não encontra muita informação “prática” no site ou nos produtos:
“In the beginning was American clothing, such as workwear, outdoor clothing, military clothing, motorcycle clothing and athletic wear. Those American garments were functionally-oriented and completely tough (…). In such clothing, lives of anonymous men, who made America, are engraved.˜
“What Freewheelers seeks after is a new value not found in any clothing in modern times, even in any vintage clothing. We travel through the stories of the clothes that made America so that we can produce the clothing radiating in our daily lives.”
Parece que eles preferem deixar as roupas falarem por si só. Sem muitas entrevistas ou explicações. Fica um ar de mistério, que faz parte do apelo.
O que eu acho mais legal nas duas marcas é que você tem a opção de comprar no presente uma peça nova, mas que realmente parece ter saltado do passado. Quem curte o vintage e os clássicos as vezes fica preso no que é original, no que existiu, etc. Não tem tanta variação. As repro brands ajudam você a colocar as mãos em coisas que seria impossível garimpar, mas atuam congeladas no tempo. As marcas como a Freewheelers e a Mister Freedom tem um conhecimento enorme e referências sensacionais para misturar, combinar, e criar um produto novo que combina perfeitamente com o vintage de verdade, com as reproduções, e também com roupas modernas. Você pode usar no estilo old school ou misturar.
Seguem mais algumas imagens da Freewheelers: