Se você nunca assistiu a um filme do Buster Keaton, não sabe o que está perdendo. Pode começar com Sherlock Jr que é um bom ponto de partida. Tem uma cena em que o ator está pegando carona no guidão de uma moto e não percebe que o motorista é derrubado. A motocicleta passa cegamente por uma série de obstáculos mirabolantes com uma série de acrobacias inacreditáveis. Esse filme foi lançado em 1924, quando as motos, assim como o cinema, eram bem diferentes…
A cultura de motociclismo como conhecemos hoje deve tudo as motos militares. A atuação das motocicletas, principalmente nas guerras mundiais, deixou um grande legado. Mas qual foi exatamente o papel que elas desempenharam nas forças armadas?
As imagens mais icônicas de motos de guerra são da Segunda Guerra Mundial. Voltando ao assunto cinema e motos, duas das minhas cenas de perseguição favoritas acontecem nesse contexto: Fugindo do Inferno e Indiana Jones e a Última Cruzada. Os registros mais famosos podem ser deste conflito, mas a história das motos militares começa bem antes.
Veículos usados em operações de combate priorizavam proteção e poder de fogo. O som de balas ricocheteando na blindagem é um “alívio” para quem estava cercado por explosões. As motos não tem nada disso. Elas deixam o piloto exposto, não possuem poder de fogo, são facilmente danificadas, e não funcionam em certos terrenos e condições climáticas.
Os EUA chegaram a usar algumas Harley-Davidson durante o conflito com os revolucionários mexicanos, liderados por Pancho Villa entre 1910 e 1919. Elas não tiveram papel decisivo e a utilização estava mais para um teste que trouxe algumas inovações e provou o potencial das máquinas.
A vantagem das motocicletas em combate são outras: A velocidade é ideal para batedores, missões de reconhecimento, e mensageiros. Por serem menores e mais ágeis, elas tinham facilidade de acesso, usavam menos combustível, e podiam ser agrupadas e transportadas para posições estratégicas.
A Primeira Grande Guerra
A Primeira Guerra Mundial foi a primeira vez que as forças armadas de vários países usaram as motos em grande escala. Apesar do conflito de trincheiras, elas foram uma peça importante e versátil no arsenal aliado.
Foram utilizadas para combate direto em unidades de infantaria equipadas com motocicletas que transportavam rapidamente as equipes de artilharia até a posição mais estratégica. Equipes médicas subiam nas motos tanto para evacuar feridos em sidecars com maca equipada, quanto para levar suprimentos e munição para as linhas de frente.
As motocas também foram usadas em missões de reconhecimento e patrulhas de segurança, mas entre todas essas funções a mais valiosa foi entregar mensagens! A comunicação eletrônica da época era péssima e despachar alguém era o jeito mais eficaz de entregar encomendas, relatórios e mapas. Mensageiros montados em motos voavam por zonas de fogo, passando por cima de crateras, detritos e cadáveres, penetrando as linhas inimigas.
Tipos de motos na Primeira Guerra Mundial
A demanda militar por motos teve um impacto enorme na produção mundial. Só os EUA produziam mais de 80 mil, entre elas 50 mil Indians e 20 mil Harleys.
Até o início da guerra, a Indian era a maior fabricante do mundo e seu modelo de batalha era uma adaptação da PowerPlus Big Twin. Quem explodiu (no bom sentido) com o início da guerra foi a britânica Douglas, que produziu mais de 70.000 motocicletas.
Entre as marcas que estão vivas hoje, a Triumph concentrou forneceu sua produção integral de 30.000 máquinas e Harley dedicou cerca de um terço de sua produção para entregar 15.000 motos de guerra (adaptação do modelo J).
A fartura bélica durou pouco, e muitas marcas fecharam as portas na época de paz e a Grande Depressão. A Indian analisou mal o impacto que a venda militar teria no mercado interno civil e suas concessionárias Indian ficaram sem nada para vender. Mesmo com um grande esforço pós guerra, ela nunca recuperou a primeira colocação no mercado. A Harley, por outro lado, pode ter ficado em segundo plano no fornecimento militar, mas por isso foi capaz de manter a venda interna, recuperando rapidamente seu posicionamento.
A Segunda Guerra Mundial
Quem arrematou a maioria e os melhores contratos militares na Segunda Guerra Mundial foi a Harley. A produção da Harley-Davidson de 1942 foi toda para o exterior, e cada vendedor do mercado interno americano recebeu apenas uma moto naquele ano.
A menos que o cara fosse policial, bombeiro ou militar, a chance de ele pilotar uma Harley nova nessa época era zero. No total foram cerca de 90.000 motos, entre elas 30.000 emprestadas para a Rússia, além de pequenas vendas para os outros aliados. Essa experiência preparou a empresa para lidar com a enorme demanda quando os soldados que retornavam queriam pilotar as mesmas máquinas.
Harley Davidson WLA
A moto Harley-Davidson WLA começou a ser produzida em 1940. Ao contrário das adaptações da primeira guerra, elas foram feitas com muito especificidade. Eram mais pesadas e bem mais confortáveis.
- Os pára-lamas foram moldadas para arremessar a lama das rodas pela lateral
- O quadro foi equipado com um bagageiro para munição e rádio, além de alforges que podiam ser pendurados nas laterais.
- A frente da moto ganhou uma bainha grande o suficiente para carregar uma submetralhadora Thompson e um suporte para mais uma caixa de munição.
- Um conjunto secundário de faróis foi instalado para difundir a luz e deixar a moto menos visível a noite.
- Também houveram mudanças mecânicas; o cárter foi redesenhado para diminuir o consumo de água.
- O filtro de ar foi substituído por um filtro a banho de óleo. O soldado podia fazer a manutenção com o óleo do motor ao invés de carregar filtros extras.
BMW R75
A Harley já fazia motos desde 1906, e por isso saiu na frente da concorrente BMW, que começou por volta de 1921. A fabricante européia dominava a soldagem elétrica e assim consegui criar articulações extremamente fortes. Esta prática nasceu da necessidade; os sidecars continuaram bem populares na Alemanha, mas forçavam bastante o quadro de uma moto.
A R75 do exército Alemão tinha um sidecar permanentemente com a roda conectada à roda traseira da moto, o que melhorou muito a tração e dirigibilidade em condições adversas. Todas as três rodas eram intermutáveis e um pneu reserva era acoplado à traseira de cada carro lateral. Cada moto carregava três galões de combustível e uma metralhadora, tornando a R75 um veículo de guerra super utilitário capaz de transportar três pessoas.
Qualquer moto feita pela BMW até 1994 também tinha um outro truque mecânico inteligente que Harley-Davidson não havia sido capaz de fazer: transmissão do tipo cardã. A transmissão da Harley, como a maioria das motos da época, eram feitas por correntes e os EUA e a Alemanha descobririam que nas areias das campanhas pelo norte da África a transmissão fechada da BMW era muito melhor do que as WLA com corrente exposta.
Nada se cria, tudo se copia!
Pra gente é fácil entender mas para os engenheiros norte-americanos na década de 1930 e de 1940 esses conceitos eram totalmente estrangeiros; eles conseguiam imaginar na teoria, mas não conseguiam descobrir como fazer. A BMW tinha o segredo da fórmula e seu design avançado deu aos os militares alemães uma importante vantagem.
No entanto, assim como o famoso galão Jerry Can, as tropas aliadas conseguiram capturar uma moto alemã para estudar em casa. Os engenheiros dos EUA enviaram as informações para a Harley-Davidson, que ficou encarregada de produzir um projeto com transmissão similar. Deu certo, e pouco mais de 1.000 modelos XA ficaram prontos.
A burocracia militar e a utilização de jipes, melhores para transportar mais de uma pessoa, fizeram as poucas XAs produzidas irem parar nas base em solo americano. Os Soviéticos também adquiriram o mesmo design, que a Ural usou para desenvolver suas M-72 com sidecars.
A Segunda Guerra Mundial é considerada o auge da motocicleta militar, mas elas tiveram um papel bem reduzido em comparação com as operações de combate da primeira Guerra Mundial. A predominância de armaduras móveis na forma dos tanques de guerra limitou a efetividade das motos nas batalhas. O uso foi limitado a policiamento, reconhecimento e é claro, correio.
O motivo principal delas terem marcado tanto é que comboios militares eram escoltados por motos, incluindo a Segunda Divisão Blindada “Hell on Wheels” do brigadeiro-general George S. Patton, que libertou boa parte da Europa Ocupada. As motos de reconhecimento geralmente eram as primeiras a entrar no território libertado, e por isso a Harley WLA ficou conhecida como “A Libertadora”, um ícone de liberdade.
Pós Guerra
As motocicletas produzidas pelos EUA e pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial ajudaram a impulsionar muitos aspectos da engenharia mecânica, possibilitando as máquinas que temos hoje. E o que aconteceu com todas essas motos, utilizadas ou não, espalhadas pelo mundo quando a Segunda Guerra acabou?
Embora a Segunda Guerra Mundial tenha ajudado Harley-Davidson a sobreviver e prosperar, as políticas do pós-guerra plantaram as sementes de eventuais dificuldades da empresa (e da Indian), que tiveram que competir contra marcas britânicas e europeias.
As americanas precisaram que esperar até o final da década de 40 para poder comprar as matérias-primas para satisfazer a demanda, pois grande parte do aço e alumínio estava reservados para o Plano Marshall, facilitando a entrada estrangeiras baratas e leves.
A história também conta que muitos militares e pessoas encantadas com as máquinas de guerra compraram estoques excedentes de WLAs, cheias de equipamentos e partes desnecessárias. Essas pares eram cortadas (chopped) fora das motos, dando origem ao termo “Chopper”, e a eventual ascensão da cultura motociclista da década de 1950.
Apesar da produção de centenas de milhares de unidades para uso militar na Segunda Guerra, a moto nunca mais viu uso tão generalizado em conflitos, provavelmente por causa dos avanços na comunicação e na mudança radical nos armamentos. Alguns modelos off-road ainda tem um espaço bem pequeno no arsenal militar como meio rápido e ágil para transportar documentos em caso de emergência e para mover tropas de um ponto para o outro mas os dias das realmente fat Harley e das BMWs com sidecars ficaram no passado.
Não que a Harley, que vendeu mais de 250.000 mil motos em 2015, e as outras marcas sobreviventes sintam tanta falta assim, pois o legado de liberdade que as motos passam continua mais forte do que nunca.
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Com um motor de 125 cilindradas que funcionava com diferentes tipos de combustível, pesando apenas 56 Kg e com algumas partes dobráveis, a Royal Enfield WD 125 Flying Flea (Pulga Voadora) podia ser lançada até de planadores leves para auxiliar no deslocamento das brigadas de pára-quedistas ingleses durante a II Guerra. É considerada por muitos historiadores e especialistas como a única motocicleta cuja participação teve efeito [sic] efetivo no resultado do conflito.
A história belicosa das motocicletas Royal Enfield (inicialmente, uma fábrica de componentes de peças de artilharia) é ainda mais antiga: deslocaram tropas táticas inglesas durante a I Guerra Mundial e o Exército Imperial Russo durante as guerras russo-japonesas.