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Ametora – Como o Japão Salvou o Estilo Americano

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O livro Ametora escrito por W. David Marx descreve a evolução da moda americana no Japão que começou após a Segunda Guerra Mundial. O livro é um levantamento muito fascinante da história, moda, e cultura Japonesa. O texto é muito bem escrito e a pesquisa é incrivelmente rica. Ele respondeu várias curiosidades que eu tinha sobre a história da moda masculina ocidental por lá. Além de ser uma leitura obrigatória para qualquer estudante da moda global também vai agradar os historiadores interessados pelo desenvolvimento pós-guerra no Japão.

A linguagem japonesa costuma pegar palavras longas e transformar em novas palavras de duas sílabas. “Ametora” é uma abreviação de “American Traditional” (amerikan toradishonaru). No início essa palavra era utilizada para falar das roupas tradicionais da costa oeste dos Estados Unidos, mas aos poucos foi englobando outros estilos e passou a significar qualquer estilo tradicional americano adaptado pelo japonês (jeans, western, rústico, workwear, montanhismo, rock’n’roll, etc). Os jovens do Japão começaram a absorver a cultura da “America” através de filmes, música, revistas e turistas, mas com o tempo a idéia de “America” passou a significar algo separado de “Estados Unidos”.

Eu descobri as roupas feitas no Japão através de foruns e sites na internet. No começo as informações eram muito difíceis de conseguir, e quase sempre vinham de boatos e especulações de quem teve algum contato pessoal ou acesso a alguma publicação de lá. Eu pude conhecer as marcas através de alguns fanáticos por jeans e também páginas escaneadas de revistas, que me mostraram um universo totalmente diferente. A internet ia pesquisando as marcas e as pessoas e aos poucos começou a entender o que estava acontecendo por lá. Desde então, o acesso aos produtos do Japão aumentou bastante. Marcas que até então operavam apenas no mercado oriental começaram a aparecer em lojas do mundo inteiro, e o Japão passou a exportar as roupas que antes importava. Como muitos dizem: O Japão faz roupas americanas melhor do que os Estados Unidos. Também tive a oportunidade de conhecer o país e ver um pouco de tudo isso. Mas como eles chegaram a esse ponto continuava um mistério com várias histórias…

O que Ametora fez foi unificar todas essas informações. W. David Marx rastreou muitas figuras importantes e pistas obscuras para traçar uma narrativa que explica o porque da indústria da moda no Japão, passando pelo consumo, comportamento, criação, e conteúdo. A leitura é rápida e a construção do cenário atual rendeu uma trama muito excitante. São menos de 300 páginas que falam sobre a cena que interpretava o estilo Ivy no Japão, as reproduções de denim americano, a explosão do vintage, o mercado do workwear, o avant-garde, e o streetwear de marcas conceito como a Bathing Ape.

As páginas sobre a Bape e a cultura de Harajuku são fascinantes. Foram eles os responsáveis por apresentar ao mundo os méritos das marcas japonesas. No início da Bape os cilentes passavam três horas na fila para comprar uma camisa, e se eles andassem até o fim da rua encontravam lojas revendendo os produtos pelo dobro do preço. A marca foi a precurssora do anti marketing, com lojas escondidas, estoque abaixo da demanda, sem anúncios, etc). Toda a cultura de revenda e hype que vemos no streetwear hoje começou no Japão nos anos 90. O modo de operar da Supreme e outras marcas do estilo é totalmente baseado no modelo japonês, lançado principalmente pela Bape, que apresentou o conceito para o mundo quando abriu uma loja em NY.

Van Jacket – A marca responsável por apresentar o estilo Ivy no Japão. Kensuke Ishizu também era o principal autor na revita Men’s Club.
Estilo Ivy no Japão em 1964.

Uma das coisas mais interessantes no boom da moda americana no Japão foi o papel das revistas de estilo masculino. Essas revistas, escritas por entusiastas, assumiram a função de descrever as “regras” do vestuário americano, codificando todos os estilos em categorias como “Ivy”, “Heavy Duty”, etc. Se um japonês quisesse usar roupas Ivy League no início dos anos 60 ele não tinha os mais velhos como ponto de referência e por isso precisava recorrer a mídia para lhe dizer o que comprar e como usar. As revistas tinham 20 páginas só sobre botas Red Wing, mais 20 sobre como usar uma calça chino, e mais 100 com uma lista de opções de blazers. O estilo americano no Japão não era uma cópia, mais uma versão filtrada através da compreensão destes formadores de opinião.

Esses autores eram inspirados principalmente por catálogos, e a medida que o homme japonês foi ficando mais confiante as revistas foram diminuindo as “receitas de bolo”, mas o modelo editorial persiste até hoje e você se você quiser pode comprar uma revista de 400 páginas só sobre vintage, ou sobre ski, ou o que quiser. Achei este aspecto bem interessante porque nós estamos em um barco parecido. Qual a referência para quem quer se vestir bem ou que gosta de um estilo no Brasil? Quem quer apresentar um novo produto precisa praticamente explicar como se usa aquele produto, mostrar referências de fora, colocar “regras” para classificar o estilo, etc. Estamos naquela fase de como dar nó em gravata, de não ande de moto com sapatênis, de mostrar o que é o estilo worker. Até mesmo as marcas interessadas não tem tantos recursos ou conhecimento para ir além da superfície. É normal, pois estamos começando! Infelizmente não temos revistas e gente criando conteúdo tão bacana, mas felizmente temos a internet!

Outro capítulo muito legal é o que fala sobre a invasão das marcas japonêsas no mercado global. A cultura de se vestir bem havia desaparecido nos Estados Unidos e a mais ou menos oito anos atrás ele voltou muito forte. Os jovens americanos se viram na mesma situação dos japonêses da década de 60, pois não tinham como tirar uma dúvida com o pai sobre qual o melhor terno para comprar. Os Estados Unidos tiveram que começar do básico da mesma forma que o Japão teve na década de 1960. E por onde começar? Quando os mais dedicados viram o que estava acontecendo no Japão eles foram a loucura. Se um blogueiro quisesse ver fotos de botas Red Wing, calças Levi’s, ou botas Alden em 2008, essas fotos estavam em revistas japonêsas. Quando o mercado da moda americana começou a se interessar pela própria herança, eles descobriram que todos os recursos para aprender, e todos os produtos que não existiam mais nos EUA, mas estavam lá no Japão. O livro Take Ivy é um grande exemplo disso… um livro sobre o estilo americano, feito por pessoas japonesas. Outros dois exemplos famosos são a linha Red Wing Heritage e a Levi’s Vintage Clothing, que nasceram no Japão quando eles quiseram fazer o “produto de antigamente”.

Jiro Shirasu foi uma das primeiras pessoas públicas do Japão a ser fotografada usando calças jeans.

Um outro treço muito bacana é sobre as flutuações de câmbio. No final da década de 70 o yen ficou forte o suficiente para as pessoas importarem roupas ou irem até os Estados Unidos para comprar. Na década de 60 o yen era muito fraco e por isso as pessoas precisavams e contentar com versões japonesas de produtos americanos. As pessoas escrevendo sobre o ivy falavam de Brooks Brothers e J. Press mas nem sonhavam em conseguir comprar uma roupa dessas lojas. No final da década de 70 em diante, o yen se fortaleceu e qualquer um podia obter um produto americano, para ele mesmo ou para vender pelo dobro do preço em Shibuya (peças vintage principalmente).

Os japonêses literalmente saquearam o estoque vintage dos Estados Unidos, trazendo malas e containers de produtos. Parece que hoje o Japão tem uma coleção de roupas americanas vintage maior do que o próprio Estados Unidos. Hoje em dia o iene está barato novamente e trazer de fora ficou mais caro para os japoneses. O incrível é que com o conhecimento acumulado durante todo esse consumo eles começaram a fazer o que não encontravam, com a mesma qualidade, e o dolar alto agora ajuda essas marcas a exportarem tudo para os americanos dispostos a pagar. Não parece a nossa situação? Há alguns mêses o dolar fraco permitia que comprassemos roupas lá fora, mas agora a situação ficou complicada. Como ficam os fãs do estilo? Será que vamos conseguir desenvolver um mercado com a mesma qualidade por aqui?

Os capítulos finais de Ametora são dedicados a pessoas que estão abrindo novas portas para esse relacionamento com o estilo americano. No começo do livro eu aprendi sobre pessoas que tentavam copiar o estilo dos EUA. Na segunda parte, ele falou sobre o influxo de roupas e marcas importadas para o Japão, e nesse final o livro aborda marcas como a Engineered Garments e a Visvim que entendem muito bem toda a história, compreendem as referências, mas estão tentando criar algo novo. A moda masculina está super diversificada, com recriações de clássicos, novas visões do futuro, novos conceitos do que um homem deve usar, tudo acontecendo ao mesmo tempo. No Brasil a gente engatinha e se temos a desvantagem financeira, temos a vantagem de conhecer o mapa traçado primeiro pelos japoneses e pelos americanos depois deles. Vale a leitura!

Ver Comentários

  • Bom dia Lucas! Ótimo texto. Claro, conciso e explicativo. Foi como conversar com alguém que realmente entende do assunto.

Publicado por
Lucas Azevedo
Tags: livros