Se existe motivo para se preocupar com o aquecimento global – além da morte total de todas as coisas vivas neste planeta – é o fim das oportunidades de vestir casacos legais. Para minha felicidade, pude aproveitar uma chance dessas nas minhas últimas férias, e fui de pea coat.
Se você está procurando por um casaco quente, fácil de usar, que complementa seu visual e com certeza vai durar mais do que a sua vida, pode ser uma boa ideia dar uma chance a um pea coat de qualidade.
Felizmente, esse investimento não precisa ser alto. Comprar um original da marinha dos EUA, além de ser a opção mais autêntica, é também a maneira mais barata de se cobrir com esse casaco. Nesse post eu vou te mostrar como!
Moramos no calor, mas cada ano parece ficar ainda mais quente. A única oportunidade de usar minhas roupas favoritas de inverno é viajar no frio, e até essa janela está ficando cada vez mais fechada. Quando eu viajo, tento levar poucas roupas e aproveitar ao máximo a versatilidade de cada peça. Pensando no tipo de atividade que costumo fazer em viagens, um dos casacos clássicos mais legais para levar é o pea coat.
Facilmente identificável, este casaco de lã tem sua origem náutica, e provavelmente é a vestimenta militar que fez a transição mais suave para a vida civil. Sem insígnias ou patches, ele pode ser usado (e foi usado) por todos, de ex-militares a manifestantes da paz, preppy, rebelde, fãs do estilo vintage e também os mais modernos. É realmente muito versátil.
Vestido pelos marinheiros europeus e americanos desde as primeiras décadas do século XVIII, este casaco foi a solução encontrada para proteção contra as rigorosas condições em alto mar.
Sua composição original é de lã grossa, bem fechado e ajustado ao corpo por um abotoamento duplo transpassado, comprimento até o quadril e lapelas largas. Em sua versão mais clássica, tem bolsos verticais com abas e bolsos horizontais forrados mais ou menos na altura do peito que são muito bons para aquecer as mãos.
A origem do nome “Pea Coat”, não é tão objetiva assim. Existem várias explicações para o termo, que vem sendo usado por quase 300 anos e várias histórias diferentes sobre como o nome foi atribuído ao tradicional casaco marinheiro.
A explicação mais confiável, diz que ele vem da Holanda. Os holandeses, um poder marítimo na época, desenvolveram um pesado casaco de lã escura em algum momento do século XVII para ajudar seus marinheiros a enfrentar o frio das tempestades de inverno. O casaco foi chamado “piijjekker” porque “pij” (aparentemente pronunciado “pea”) era o nome desse tecido áspero, e “jekker” ou “jakker” significa “jaqueta”.
Outra versão, diz que o casaco foi desenvolvido para o uniforme de pequenos oficiais da marinha britânica (petty officers), que até então tinham o mesmo uniforme dos marinheiros mas não podiam usar o casaco dos oficiais. Assim, foi criado o Petty Coat, que também era conhecido como P. Coat, e foi popularizado como Pea Coat por razões fonéticas.
O uniforme apareceu na marinha real britânica no século XVIII e essa versão é defendida pela Camplin, que fazia os uniformes originais. Em 1857 eles se tornaram o fornecedor oficial da Marinha Real Britânica, criando um esboço para o casaco que conhecemos hoje.
Enquanto a Camplin supervisionava a produção para a Marinha Real, várias fábricas lidavam nos EUA entre elas a Schott, que deteve a liçensa 1930 até 1990. Outra muito conhecida e respeitada pelos colecionadores é a Naval Clothing Factory.
Durante o início do século 20, o Pea Coat foi adotado pela Marinha dos Estados Unidos, consolidando seu lugar na história como a clássica jaqueta náutica. Os EUA Naval Pea Coats eram construídos com lã Kersey de 30 onças, com dez botões com desenhos de âncoras.
Nos anos 2000, o contrato passou para a Sterlingwear em Boston. O atual casaco de marinheiro da marinha é feito de uma mistura azul-escuro de 80% de lã Melton e 20% de fibras artificiais.
E assim, por último, existe a teoria do “pilot cloth”, como dizem que era é chamado o tecido grosso utilizado pela marinha americana. O nome do tecido foi encurtado para “p-cloth”, e o casaco virou “P-Coat”. Essa versão aparece bastante em sites americanos, e na minha opinião, a menos provável.
Em agosto de 2016, a Marinha Americana anunciou que começaria a retirar gradualmente o casaco do uniforme e introduzir uma parca sintética preta como roupa oficial até 1º de outubro de 2020. Muito em breve, o “p” vai virar de “passado”!
Não importa exatamente como o casaco foi apelidado, o que une todas essas opções é a funcionalidade do casaco, que o tornou tão valioso para os marinheiros.
Esse tipo de casaco foi originalmente projetado para servir os marinheiros, que subiam nos mastros de veleiros. Para começar, como não eram acinturados e cobriam ligeiramente os quadris, não atrapalhavam a movimentação necessária.
Quando eu viajo, ando bastante a pé e de metrô. Estou sempre sentando e levantando. O comprimento pouco abaixo do quadril me permite mais mobilidade do que um sobretudo ao mesmo tempo que me mantém mais protegido do que uma jaqueta.
Além do ajuste, outra característica clássica do pea coat é a lapela de grandes dimensões. A lapela “conversível” foi projetada para proteger os marinheiros expostos aos ventos frios e fortes no mar, sem prejudicar a visão. Continua sendo muito prático poder virar a gola e as lapelas para cima, e abotoa-las em volta do pescoço para obter ainda mais proteção contra o frio.
A lã pesada com trama apertada e durável, o corte justo e a frente trespassada retém o calor, protegendo do frio, do vento e até mesmo de chuva. Uma necessidade em pleno mar assim como em viagens onde você nem sempre pode contar com um dia de Sol. A lã espessa de um pea coat original permitia que ele durasse por décadas, e isso significa ter um casaco para além da vida.
O tecido ainda ajudava em emergências: a lã tem um ponto de combustão maior em comparação com muitas outras fibras, é retardante de chama até 1.000 graus e é autoextinguível quando removido do fogo. Era um bom casaco para ter nas costas em caso de um acidente ao mar nos navios de madeira. Duvido que alguém vai passar por uma situação dessa nas férias, mas é uma curiosidade interessante.
Os primeiros modelos da marinha americana de 1910 tinham apenas os dois bolsos faca na horizontal, com um bolso menor dentro de um deles para moedas, já que as calças dos marinheiros não tinham bolsos. Em 1913 o pea coat dos EUA passou a ter dois bolsos com aba para melhor acomodar todos os pertences com segurança.
Todo esse espaço é muito útil em viagem, com tudo o que você precisa nos bolsos com aba e os documentos importantes nos bolsos internos. Os bolsos faca, na altura do peito, continuam funcionando muito bem para aquecer as mãos e guardar o que você precisa pegar toda hora (eu deixo meu celular)!
O último detalhe que me vem a cabeça é o tamanho dos botões. São grandes para não ter problema de fechar com luva ou gerar qualquer tipo de dificuldade. Quando a mão está gelada, quando mais fácil melhor!
Com um desenho muito bem pensado, o pea coat é, sem dúvidas, um modelo-chave no guarda-roupa de inverno. Atemporal, principalmente os modelos mais tradicionais, geralmente em azul escuro como a da marinha americana nos séculos passados, vale o investimento em uma peça de alta qualidade.
E como eu falei, o investimento para você ter um casaco que vai durar a vida toda não precisa ser alto!
Onde?
Todos os estilistas do mundo fizeram suas versões, mas o original ainda é o melhor. A lã pesada de melton protegeu os marinheiros por décadas e vai proteger você de praticamente qualquer coisa.
Você provavelmente não precisa desse casaco com urgência para usar no Brasil, então pode esperar a próxima viagem para adquirir o seu. Praticamente qualquer loja vintage lá fora têm um rack destes casacos de décadas passadas. Você vai gastar entre $50 e $150 dólares por um modelo básico.
Se não quiser aguardar, você também pode encontrá-los no eBay e em sites como o Etsy e outros brechós online. Este guia no Fedora Lounge te ajuda a datar o modelo para você entender porque alguns são mais caros. Os pea coats da Segunda Guerra são os mais procurados. Eu amo os de 1940 a 1960, mas é difícil errar na escolha, independente da década.
Lembre-se de que, apesar do corte justos, eles são dimensionados para ser vestidos por cima de blusas pesadas. Confira bem a numeração antes de comprar online e tire suas dúvidas sobre as medidas. Na hora de analisar o estado, pense que botões são fáceis de achar para substituir, mas que arrumar buracos na lã é complicado.
Caso você prefira comprar um novo, eu recomendo procurar os modelos da Schott. Eles são um pouco mais caros, mas o design é basicamente o mesmo que a marinha usava na década de 70. A lã (Melton) é pesada (30 onças) e a construção é de extrema qualidade.
Outra sugestão, é procurar online por um casaco da Sterlingwear, que está com o site fora do ar. Eles são os atuais fornecedores da marinha americana e vendem um casaco parecido para o público. Como eu falei, atualmente os pea coats tem parte de fibras sintéticas.
A competição entre essas duas marcas parece contribuir para manter a qualidade alta e o preço razoável!
Fora essas duas, eu não recomendo nenhuma outra a não ser que você queira algo muito específico.
Nesse caso, confira os modelos da Buzz Rickson, Real McCoys e Freewheelers (muito difícil fora do Japão). As três marcas tem reproduções de pea coats antigos, com versões de 1910, 1913 e se não me engano um do início da Segunda-Guerra.
O diferenciam mais visível é o tamanho e posicionamento dos botões, que deixam o casaco com um aspecto muito mais vintage. Para comprar qualquer uma dessas marcas você precisa garimpar um pouquinho online para ver que loja está vendendo e se preparar para desembolsar alguns muitos R$.
O pea coat é um desses casacos que consegue ser clássico, mas não muito tradicional, de alfaiataria mas sem refinamento excessivo, versátil, mas nunca monótono. Pessoalmente, como é um casaco de inverno, eu gosto de usar em viagens com malhas texturizadas e gola alta fica muito legal (como um explorador dos mares).
O tema naval é um bom ponto de partida na hora de usar. Se a temperatura não estiver tão baixa, com uma camisa de manga comprida ou um suéter de listras breton, o visual icônico de um marinheiro francês. Da mesma maneira, um bom gorro estilo watch cap ajuda a manter a cabeça aquecida e te deixa com visual de velho lobo do mar.
Vestir com calça jeans ou calça chino sempre uma aposta segura. Uma calça cinza fica bastante elegante, na minha opinião. Gosto com botas mais pesadas, mas eu também curto bastante com uma chukka de couro preto liso ou até mesmo um simples sapato derby preto que fazia parte do uniforme da marinha.
Junto com a sua versatilidade vem seu conforto e movimentos fáceis, tornando-o o casaco perfeito para sobreposições, tanto em estilo casual, como mais arrumado. Você pode usá-lo com qualquer coisa casual e até com uma outra jaqueta por baixo.
O único ponto em que ele peca em relação a casacos longos é que não fica muito bom com terno e paletós, pois o comprimento não é longo o suficiente para esconder as linhas do blazer. Se for um inverninho suave, como o nosso, basta uma camiseta branca lisa e pronto.
Resumindo, o pea coat é um coringa no armário clássico e funcional masculino, que existe há mais de um século. A versão original, azul com botões de âncora é certamente a mais popular e vai te servir para a vida toda. Hoje em dia, você tem uma escolha de diferentes marcas, mas eu volto a repetir: os originais são os melhores!