Os produtos feitos à mão fazem parte da nossa história. Eles se tornaram mais raros a medida que as sociedades começaram a se industrializar, mas mesmo com a automatização da produção, muitos continuaram nadando contra a maré, produzindo mercadorias feitas à mão.
Hoje, vivemos uma espécie de renascimento da produção artesanal, impulsionada por um sentimento anti-industrial. As marcas de um trabalho manual são as impressões digitais de um artesão, e os processos manuais são extremamente valorizados. No mercado, eles se tornaram sinônimo de qualidade.
Mas o que realmente ganhamos com isso?
Você compra a história ou o produto?
Não é apenas o produto feito a mão, customizado, sob medida, etc, que está em alta. Vivemos a busca por todas as coisas “autênticas” e “pré-modernas”, muitas vezes confundindo qualidade com nostalgia.
Queremos sentar num bar montado com madeira de demolição e escolher sua refeição lendo um lettering manual feito tinta branca. Beber em potes de vidro é mais “pinterest”. Nesse cenário, quanto mais pitoresca for a história, melhor.
Na moda, vemos isso nos estilos e na produção. Gostamos de workwear antigo, da estética Ivy League, da alfaiataria old school. Queremos botas goodyear welted, ternos e camisas sob medida e calças jeans selvedge.
Todas as marcas querem entrar na onda e até lojas com produção de massa estão no mesmo barco. Na Gap e na JCrew você compra calças feitas “à moda antiga” com raw denim e pode personalizar suas camisas com um monograma para ter um produto feito à mão.
Onde fica o limite?
O “171” da Louis Vuitton
Em 2010, o conselho nacional de publicidade do Reino Unido proibiu uma campanha da Louis Vuitton por sugerir que os produtos da empresa são artesanais, sendo que na verdade não são.
As fotos suavemente iluminadas dessa campanha mostram moças jovens e bonitas posam costurando à mão a alça de uma bolsa ou preparando o caminho para a sovela em uma carteira.
Imagens serenas invocando o artesanato que a Louis Vuitton quer que você ache que existe em seus produtos feitos em série.
Não é muito diferente de anúncios com modelos photoshopadas ou histórias inventadas sobre origem das empresas. Até a Levis já foi criticada por isso.
O trabalho manual é muito mais tangível do que imagens e histórias. Na hora de comprar, as pessoas levam em consideração como a coisa foi feita.
Clientes estão dispostos a pagar por itens genuinamente feitos à mão. Uma bota da Role Club pode custar mais de dois mil dólares, e uma camisa da Kiton sai por uns 800 dólares para quem quer o prazer ter o colarinho, bainha e mangas costurados à mão.
O consenso geral é que feito à mão é mais bem feitos que industrializado e assim, o cliente passa a acreditar que aquele produto vale mais por que há todo um trabalho por trás.
Porque toda mística em torno do trabalho manual?
As vezes os consumidores precisam de motivos práticos para pagar por uma mercadoria feita à mão. As empresas estão muito felizes em fornecer essas razões.
Os argumentos mais comuns são:
- Os produtos artesanais tem mais detalhes
- Um artesão acompanha cada etapa, preocupado com a qualidade do trabalho sem precisar correr para produzir em grande escala.
- As fábricas se preocupam em cortar custos e trabalham com obsolescência programada para motivar o consumismo.
- O produto com fabricação manual, por sua vez, é feito para durar.
Quando uma marca divulga que seu produto mais caro é artesanal, usa um destes argumentos para convencer o consumidor que ele está fazendo uma boa escolha.
A realidade é que a maioria das informações que você lê sobre a roupas masculinas vem do marketing, independente se a fonte é o ateliê de um alfaiate ou uma grande marca.
Quem quiser falar sobre produtos sob medida feitos à mão vai conversar com um artesão. O problema é que muitas vezes eles só estão familiarizados com a própria realidade. Comparam seu trabalho manual com as máquinas de costura planas em sua oficina, mas não conseguem comparar com tecnologias mais avançadas. Essas outras máquinas são feitas para empresas que produzem milhares de peças por ano.
Quem pesquisar sobre a produção de uma marca, vai conversar com alguém de relações públicas e receber um release falando sobre a ética e sustentabilidade da empresa. Sobre o processo de produção, apenas o superficial. Os detalhes são complicados, e pouco importam para a imprensa.
Assim, dada a distribuição assimétrica de informações, você vai ler apenas sobre as virtudes do trabalho manual. Sim, inclusive aqui.
Essas virtudes qualitativas podem ser verdades, ou não, mas não são estes os verdadeiros méritos das mãos de um artesão.
O trabalho manual x trabalho das máquinas
Como resultado desse pensamento, as empresas modernas foram colocadas entre a cruz e a espada.
Até pouco tempo atrás, nada disso importava no mundo de cadeias logísticas globais. Agora, elas precisam usar as vantagens produção industrial para serem competitivas, mas têm que encontrar formas de se posicionar com valores anti-industrialismo.
Algumas empresas são transparentes e nasceram nessa nova realidade. Quando entrevistei os fundadores da Cutterman, eles demonstraram muita transparência deixando claro que seus produtos são feitos com máquinas.
É diferente do posicionamento inicial dos sapatos Louie, enaltecendo a palavra manual sem a produção realmente fazer frente ao termo.
Outras, são um pouco mais astutas. Ao invés chamar de “handmade”, várias marcas de sapato nomearam suas linhas de “benchgrade” e “handgrade”, por exemplo. A Church’s, costumava chamar seus melhores sapatos de “custom grade”. São termos sem significado, apenas rótulos cativantes que implicam um padrão manual, sem realmente dizer que são.
Muitas outras marcas descrevem seus produtos como “feitos sob medida”, “personalizados” ou “feitos à mão”, nenhum dos quais serve para descrever os produtos que fazem. Com tantos fabricantes usando, esses termos praticamente perderam o significado.
Para que o artesanato signifique algo novamente, precisamos compreender melhor o valor do conceito. Isso não significa apenas saber mais sobre o processo de produção, mas também derrubar alguns mitos e identificar o real vaor.
1. Roupas costuradas à mão são mais duráveis?
Uma das máximas do feito à mão é que costuras feitas à mão proporcionam um nível de flexibilidade e durabilidade que as máquinas de costura não podem conseguem replicar. De certa forma isso é verdade, mas quase na maioria das vezes, não.
As primeiras máquinas de costura faziam um ponto corrente, uma série de loops que formam um padrão semelhante a uma corrente.Eles podiam ser desfeitos com uma certa facilidade e para piorar as máquinas bastante desajeitadas dificultavam o trabalho bem feito.
Melhorias técnicas permitiram que as máquinas fizessem o pesponto (lockstitch). Dois fios são entrelaçados e a costura fica mais fortes, porém sem flexibilidade. Quando usados em áreas sujeitas a tensão – como o traseiro de uma calça – eles podem arrebentar.
O alfaiate, por sua vez, podia fazer um ponto-atrás à mão. Este ponto volta o fio sobre si mesmo e permite que a costura estique um pouco. O resultado não desenrola como o ponto de corrente nem cede sob tensão como o pesponto.
Baseado em como as coisas funcionavam numa época, ficamos com a idéia de que os pontos costurados à mão são para sempre superiores, mas essa noção deixa de lado alguns avanços tecnológicos importantes.
Já existem máquinas capazes de replicar o ponto-atrás, e outras que melhoram a costura com uma série complexa de pontos. Mesmo assim as pessoas continuam preferindo o trabalho manual e até mesmo tecnologias antigas. Por que será?
2. Sapatos feitos à mão duram mais?
Avanços tecnológicos semelhantes podem ser vistos em outros lugares. O solado dos sapatos costumavam ser costurados à mão, e hoje existem máquinas que fazem costura blaqueada e goodyear welt.
Antes dessas máquinas serem inventadas os sapatos feitos em massa eram apenas colados, o que faz muita diferença para uma sola costurada. Hoje, o diferencial na durabilidade de uma sapato virado com a sola costurada à mão e um sapato com construção goodyear welted dificilmente será notada durante a vida da pessoa.
É possível comprar um sapato com construção goodyear por uns 300 dólares. Um sapato com construção manual você pode comprar por uns 600 dólares, e um calçado sob medida, com construção manual, custa cerca de 2000 dólares. Sabe dizer se um dura mais e é mais confortável do que o outro?
É muito provável que sim, mas eu não sei se um sapato feito à mão precisa se justificar com argumentos práticos. Afinal, seria difícil provar que ele dura dez vezes mais.
É importante reconhecer não só quando a tecnologia progrediu, mas também apreciar o relacionamento complexo e às vezes simbiótico entre as máquinas e artesãos. As máquinas têm, de muitas maneiras, forçado os artesãos a desenvolver novas inovações.
Por exemplo, o detalhe da sola “beveled”, vista a cima, surgiu porque quando as máquinas surgiram os sapateiros precisavam inventar um detalhe manual que elas não conseguissem replicar.
3. Gravatas de qualidade devem ser costuradas à mão?
Gravatas, costumavam se beneficiar de ter suas abas suavemente unidas à mão. Isso permite maleabilidade na hora de de dar e desfazer o nó, o que. Essa folga ajuda a gravata a manter a forma por mais tempo. Apenas um artesão habilidoso costumava ser capaz e fazer esse ponto, mas agora algumas máquinas podem replicá-lo.
Esses são apenas alguns pontos onde, em termos de durabilidade, a máxima do feito à mão ser muito melhor não fica tão clara.
O trabalho manual é realmente melhor?
Porque pessoas decidem costurar a sola à mão? Porque uma marca prende a cintura da calça com linha e agulha?
Olhando de fora, o resultado é o mesmo. Na calça, o ponto manual tem acabamento interno mais limpo que só é visto por quem enxerga o interior da peça. A sola é costurada costurada à mão é fixada diretamente na vira, sem uma tira de tecido que enfraquece a construção. A diferença de durabilidade é a muito a longo prazo e nem mesmo o dono vai admirar visualmente esse detalhe totalmente interno.
Mesmo sem ninguém mais perceber esses detalhes, algumas pessoas ficam contente de saber que ainda existe este tipo de trabalho tradicional sendo feito. Há pessoas que enxergam beleza na habilidade de executar uma tarefa.
É por esse mesmo motivo admira-se uma casa de botão acabada manualmente. Ela não tem nenhuma vantagem prática. Quando bem feita, é apenas um trabalho manual muito bem executado. A alegria é produzir o trabalho manual mais bem feito possível.
Quando falo de tipos de construção ou como um produto é feito não estou falando exatamente de praticidade ou durabilidade. É claro que algumas técnicas são necessárias para um resultado melhor, mas arte do ofício se sustenta sozinha.
Ou seja, para valorizar o trabalho manual, não podemos pensar nos termos puramente práticos do artesanato. Quando bem feito, um item feito à mão coloca um pouco de romance na vida.
O trabalho manual deve ser apreciado dentro de suas próprias regras. Não há necessidade de inventar justificativas práticas para o que obviamente é um luxo.
Se vale a pena? Depende do que você valoriza. Aplicar os mesmos critérios para todos os tipos de produtos da moda masculina seria como criticar uma improvisação de jazz com os critérios da música clássica.
O verdadeiro valor dos produtos artesanais feitos à mão
Apreciar um produto apenas pelas suas qualidades práticas é valorizá-lo apenas por sua longevidade, função e design. Neste campo, as máquinas quase sempre dominarão, pois suas produções são feitas com mais precisão, mais econômicas e cada vez mais duradouras.
A vantagem do artesanato feito à mão não tem nada a ver com isso, e como eu falei, não deveria nem mesmo ser justificada dentro destes termos. Ao contrário, o artesanato é sobre valores humanísticos.
Quando algo é verdadeiramente feito à mão, apreciamos não apenas como um objeto, mas também o testamento da habilidade do artesão. Os produtos feitos à máquina podem existir desconectados de seus fabricantes, mas os objetos feitos à mão contam da pessoa que os criaram.
Também podemos valorizar o trabalho manual por seu valor artesanal. Os produtos industrializados são feitos com perfeição e precisão. Quando agrupados, são indistinguíveis. Os produtos artesanais, por sua vez, têm “personalidade”, ou “caráter”. O que eu quero dizer com isso?
Quero dizer que eles são feitos com a visão de um ideal em mente, mas, como são criados por mãos humanas, acabam com pequenas variações ou inconsistências. Ao existir ligeiramente afastada do ideal, cada peça afirma sua própria individualidade para o mundo. Não valorizamos os bens artesanais porque eles são perfeitamente feitos; nós os valorizamos porque são humanamente imperfeitos.
Voltaire acreditava que se pudéssemos aceitar e valorizar essas qualidades no artesanato, poderíamos aprender algo sobre a própria vida. Afinal, faz parte da natureza humana esforçar-se pela perfeição apenas para fracassar por pouco. Ao apreciar as irregularidades nos bens artesanais, podemos desenvolver expectativas mais realistas e levar existências mais agradáveis.
Com certeza, muito poucas coisas são feitas completamente por mão hoje em dia, ou até mesmo completamente por máquinas. Uma costura feita à mão não é mais durável do que um ponto industrial bem feito, e uma camisa de fábrica com um monograma costurado à mão não oferece nem valor humano nem artesanal. Não devemos confundir as coisas.
Conclusão
Sim, devemos valorizar as máquinas e sua contribuição para o valor comercial de um produto. Eles tornam as coisas mais acessíveis e duráveis. O trabalho manual, no entanto, é sobre valores humanistas e até mesmo filosóficos. No final, estas são as únicas defesas do feito à mão realmente sustentáveis
Em alguns momentos não é claro quando um produto cruza a linha de um para o outro mas, devemos prestar atenção em como as classificações são usadas. Isso não só nos dará uma apreciação mais diversificada pela produção, mas também nos permitirá preservar e proteger o papel especial do verdadeiro artesanato.
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sempre gostei de coisas manuais,sou curioso em aprender,nao gosto so de ficar comprando e pagando por serviços,principalmente hoje onde tudo e tao caro e o barato ainda sai caro por nao ter qualidade.
passei a fabricar alguns acessorios para min sem pretensao,o primeiro foi um cinto,depois passei a comprar camisetas simples e customizar las,tomei gosto e passei a fazer para alguns amigos,isto foi em 2005,estava fazendo cintos sinteticos junto com um amigo,produçao minuscula,meu amigo era muito enrolado.faziamos 4 cintos,e tomavamos 4 caipirinhas.ja viu ne,sou garçom de profissao,entao tentava fazer no dia de folga,nao deu certo,paguei o que ele gastou e parei de tudo.
Em 2011 passei a trabalhar so nos finais de semana como garçom,tinha quatro dias de folga,um belo dia arrumando umas bagunças encontrei um monte de metais:fivelas, passadores ,arrebites …..etc,intactos,pensei :opa vou aproveitar,agora tenho tempo,e comecei sozinho em 2014,fui aperfeiçoando, pesquisando,.APANHANDO FEIO,aprendi muito como nao fazer kkkk,passei a trabalhar so com couro e me apaixonei depois de velho,e fui so aperfeiçoando.
E a primeira vez que me sinto confortavel para comentar assim,mas ja faz tempo que venho acompanhando suas materias,foi elas que me deram luz,quando li a respeito do Alisson Braga,sobre a Braveman a Cutterman e tantas outras,vi o meu caminho e estou trilhando sem pressa,assim como tem que ser.
ASS: Evando Carlos………garçom de profissao,cozinheiro de ocasiao,MARIDO,PAI e ARTESAO POR PAIXAO.
Olá Evandro. Quando comecei o Só Queria Ter Um, eu literalmente “só queria um” lugar onde falar do que gosto, e encontrar/ser encontrado por quem também curte as mesmas “bobagens”. Queria que todos juntos, motivássemos as pessoas a apreciar o processo (não apenas o produto final) e valorizar o que é feito para durar. Bem, nesse tempo desde que comecei o blog eu conheci de perto muitas marcas incríveis e gente mais foda ainda. Hoje, acho que já somos um grupo bacana! Convido você a se juntar ao grupo “Workwear e Rugged Brasil” no Facebook, onde pode compartilhar o seu trabalho. Inclusive, faltou aqui o link para onde as pessoas podem conferir o que você tem feito. Coloca aí na resposta!
Muito obrigado por deixar essa mensagem, que me deixou muito contente. Dá trabalho fazer isso aqui, mas a indecisão de continuar ou parar some quando chegam mensagens como essa! Conte comigo para o que você precisar.
Abs!
Saudações, Lucas!
Tomei uma decisão dias atrás, em grande parte, inspirado por esta postagem.
Moro em uma das regiões mais frias do país (a Serra Gaúcha Turística) e, por incrível que pareça, aqui na cidade é bem difícil encontrar botas masculinas de visual mais clássico e sóbrio – e, quando encontro, não há a numeração 44BR disponível. Em geral, compro meus sapatos em viagens, mas como não estava conseguindo viajar, arrisquei um compa pela Internet e me frustrei (tanto com tamanho quanto com qualidade: em um mês de uso leve, a bota, apertada, começou a desmontar…).
Peguei um modelo que tinha há tempos, em perfeitas condições, porém com a sola gasta pelo uso, e resolvi levar até um Sapateiro que havia feito alguns pequenos serviços para mim e tinha me agradado muito. Honesto, ele me informou que não faria o trabalho em função do resultado não ficar bom, já que a bota era “fechada a quente” e o trabalho dele não garantiria a impermeabilidade mínima.
Agradeci sua transparência e comentei que era uma pena não haver botas com o couro da mesma qualidade das bainhas qu’ele havia feito para mim… Ao qu’ele perguntou: “Quer que eu faça uma?”.
O preço era bem abaixo do que eu esperava para um bom produto feito sob encomenda e de acordo com as minha medidas (ele me mostrou várias botas feitas por ele, e até me levou à oficina para explicar a construção, onde escolhi couro, sola, fio, tintura… Até o ilhós), e nem imaginava que ele fazia tal serviço!
Tirou medidas dos meus pés de várias formas e, elogiando a bota que levei, pediu que eu a deixasse lá para copiar os cortes. O couro, tingido lá, tenderá a apresentar aquelas marcas de “pátina” tão raras hoje.
Busco meu novo e personalizado par de botas essa semana, creio (pode atrasar, mas não me importo), e penso se esse assunto – botas e sapatos sob medida, feitos à mão – não seriam um assunto interessante para um artigo.
Oi Carlos, tudo bem?
Tem como você me mandar um e-mail com as fotos da bota?
Esse assunto é interessante mas eu não tenho experiência pessoal com produtos assim. Nunca passei por esse processo mas tenho algumas opiniões a respeito! Posso tentar escrever alguma coisa, ou talvez aproveitamos o seu relato.
Abs!
Olá! Claro que posso, e espero ter coisas boas para contar.
Só vou demorar um pouco, pois surgiu uma viagem inesperada, e só vou buscar as botas quando voltar – inclusive fui hoje até o Artesão avisar sobre isso, para ele não se preocupar (afinal, ele me pediu menos da metade do valor como adiantamento) e quase encomendei uma “Desert” nos moldes de uma que vi lá…
Mas resolvi esperar, pois é minha primeira encomenda do tipo, e quero testar antes de encomendar outras – e porquê, triste dizer, ainda não fui ressarcido da minha cyber-compra frustrada, onde o fabricante quer me convencer que a bota pode ter estragado por a) eu ser muito grande e pesado (aparentemente, botas de couro 44BR são para homens pequenos e leves), b) ter sido usada em terreno não-urbano (não foi o caso, apesar da bota ser anunciada como robusta e ter sola do tratorado largo), c) ter sido molhada (apesar de ser impermeável) e d) ter sido usada demais – quinze dias na rua, pós-amaciamento, pois me perguntaram se eu usava ela mais de uma vez por semana, já que ela não era recomendada para caminhar (?), mas para sair e eventos (já que é uma mistura de oxford com coturno de sola tratorada e costura dupla).
Em todo caso, enviei para análise, e sigo aguardando… E depositando minha receosa esperança no par sob medida.
Poxa, que experiência chata com essa compra online.
Também estou curioso para ver a bota final. Você sabe alguma coisa sobre como ele vai fabricar? Que método vai usar para fixar a sola, por exemplo? Imagino que não seja o mesmo estilo de bota impermeável que você comprou… conta mais sobre a encomenda!
Eu acho que hoje no mercado existem muitas marcas e muita variedade de botas para atender o pé de todas as pessoas. Aqui no Brasil temos pouca variedade, mas sempre é possível encontrar depois de experimentar. Encomendar como você fez com preço barato é excelente, mas normalmente é bem mais caro.
Comprar um sapato bespoke/sob medida lá fora joga o preço lá em cima e na minha opinião o ganho no calce não é tão grande quanto o ganho em um terno bespoke. O que me intriga, e acho que deve ser o que intriga a maioria das pessoas que opta por essa experiência de compra, é o processo de trabalhar próximo do sapateiro, fazer todas as escolhas, o vai e vem de protótipos e ajustes até chegar ao fim.
Pior que a bota que comprei pela Internet nem foi tão barata assim… Mas claro que fixei um limite ($) máximo antes de comprar desta forma. E esqueci de comentar: mencionaram que o problema poderia ser eu ter os pés largos demais, mas quando contatei a empresa antes da compra, me disseram que a forma era grande e que eu poderia experimentar um número menor – se tivesse procedido assim, é provável que nem entrasse o pé.
Em todo caso, não vou divulgar o nome em função de, afora isso, a fábrica ainda estar me atendendo, mas deixo um alerta (que aprendi com essa experiência): deve-se prestar muita atenção em avaliações e comentários positivos, pois não raro a própria empresa planta essas referências na Internet.
Eu costumava comprar pela Internet apenas calçados e roupas de modelos que eu já tinha, mas isso causou alguns incovenientes tempos atrás: comprei um modelo de bota worker da qual já tinha outras duas (uma bem gasta, usada no trabalho, que eu havia adquirido em loja, e uma mais conservada), sendo que a primeira eu havia adquirido em loja física. Algo raro no Brasil, a fábrica havia feito várias ressolas para mim…
Eis que o terceiro exemplar era DIFERENTE do modelo original, apesar de ser identificado pelo mesmo: a fábrica mudou o projeto e o desenho, com apliques e costuras coloridas, por conta própria, inclusive mudando ilhóses furados por aquele sistema que parecem ganchos. A sola era diferente do padrão conhecido e, na única vez que utilizei em uma viagem, na chuva, descobri que estava rachada no pé direito. Estava na garantia, então mandei para a fábrica junto com o modelo “do meio”, para ressola, e eis que os dois pares novamente quebraram a sola direita, no mesmo lugar, e ao tirar a bota travando o calcanhar com o outro pé, a sola soltou. Guardei no armário e o couro apodreceu: o único exemplar que ainda serve foi o primeiro… Clássico caso de uma fábrica que começa bem mas, ao querer expandir e lucrar, abre mão da qualidade de processos e materiais.
Como você mesmo disse, o barato sai caro, nesses casos. Mas espero que também saia caro para eles…
Mas vamos ao Artesão-Sapateiro…
Conheci ele através de alguns amigos que, adeptos às tradições gaúchas e frequentadores de CTG’s (Centros de Tradições Gaúchas), rodeios e bailes tradicionalistas, compravam botas, cintos, alpargatas, guaiacas de fabricação dele (além de selas, arreios, laços, malas de garupa). Até onde se sabia, ele só trabalhava com essa linha, que não é a que gosto (mas não dá para negar a beleza das botas tradicionais, de couro claro, em exposição na pequena loja na frente de ateliê). Eu precisava de uma bainha segura (e discreta e elegante) para uma faca T, e me recomendaram ele; verdade seja dita, levou cerca de um mês para fazer a peça, mas a espera valeu muito à pena: uso-a seguidamente e nunca me deu problemas, tendo o mesmo aspecto de quando retirei.
Daí vi que ele também fazia ressolas e reparos, mas nem imaginava que ele fizesse outros modelos. Meus amigos que usam os modelos tradicionais dele, inclusive em montaria e para dançar, elogiam muito, por isso imagino que uma sola de borracha mais larga, em uma bota com cadarços, tem tudo para ser confortável.
(Eu queria tirar umas fotos da loja e da oficina, mas fiquei sem jeito de pedir, no momento…)
O trabalho dele é bem feito, mas sem frescuras, tanto no processo quanto no resultado: são botas bonitas pela sua funcionalidade e robustez, ficando bem para “criar um visual”, mas não precisa ter pena de andar no barro, no mato ou nos pedregulhos com ela.
As solas são compradas prontas, em tamanho grande, e cortadas e lixadas lá (ele também faz solas de couro, no local, se o cliente quiser). São solas sólidas, maciças, sem bolsas de ar ou gel que, segundo ele, não duram e diminuem a vida útil da bota (algo sobre a degradação desse tipo de sola forçar a pisada torta e ir desgastando demais as bordas do couro, onde se fazem as costuras).
Ele não entrou muito em detalhes sobre a montagem, mas vi nas peças que a base é uma peça de couro bem duro, quase tão duro quanto o bico e o calcanhar. O couro do cabedal é liso e agradável ao toque: é macio, mas estruturado, firme. Ele me explicou que as camadas de couro do cabedal são viradas e costuradas juntas na sola e na base, não deixando “espaços vazios” para umidade acumular.
Como eu disse, ele não explica todo o processo (segredo profissional…), mas vi que é usada bastante cola, apesar de tudo ser costurado, e acho que isso é para garantir a impermeabilidade. Sobre a base vai uma peça macia (EVA?), e depois uma palmilha de couro macio. Há máquinas de costura (antigas, bonitas, naquele verde martelado industrial que as máquinas antigas tinham*), mas vi um assistente dele costurando botas à mão – e há, sim, uma certa irregularidade em algus pontos. O corte das peças também é manual.
Haviam botas femininas de salto de madeira e até sapatos sociais sendo feitos lá. Pelo visto ele tem poucos clientes, mas clientes fiéis. Ele disse para mim ficar tranquilo, que a bota seria forte, mas confortável, para usar no trabalho e até em caminhadas.
O couro é lixado e pintado à mão, a maior parte depois do calçado pronto, o que dá um aspecto bem interessante.
Adoro botas (faz anos que não uso tênis, e mesmo em eventos que pedem traje social prefiro uma bota social elegante há um sapato), até porquê me sito preparado para qualquer situação com elas, mas se der tudo certo com essa, acho que minha próxima compra será um calçado bem interessante que vi por lá: uma mistura de tênis clean com alpargata, em brim (como muita gente chama o jeans aqui no Sul) reaproveitado e borracha crepe, que achei ideal para descansar os pés, em casa. E uma carteira.
Bom… Quando as botas chegarem mando umas fotos, e aproveito para mandar fotos da bainha que mencionei, também.
(*) Sou Técnico em Mecânica, e adoro máquinas antigas, paixão em que puxei ao meu pai.
Post-Scriptum I: ele disse fazer coturnos por encomenda para alguns brigadianos (policiais da Brigada Militar), que usam essas botas em patrulha à pé. Isso foi um argumento que me convenceu em fazer a encomenda, pois algo para ser usado durante horas, todos os dias, por alguém trabalhando a pé tem de ser forte e confortável, né? E impermeável.
Post-Scriptum II: ele mediu meus pés de várias formas, separadamente, em comprimento, larura, altura, calcanhar, ângulo dos dedos… E ainda pediu para ficar com o par antigo, que eu disse ser confortável, para ter referências
Eu entendo um pouco o lado da empresa porque o formato do pé varia bastante e afeta o conforto e a durabilidade. As fábricas tentam fazer o sapato para caber na maior quantidade possível, mas essas variações de comprimento x largura causam problemas mesmo. Pra maioria das pessoas uma bota pode ser grande, mas pode acontecer de ao acertar o comprimento, ela ficar muito larga. O ideal era ter encontrado uma solução boa para todos. Pena que não deu.
Eu também fico confuso com essas variações! As vezes a loja podia economizar no desenvolvimento e ficar relançando os clássicos do jeito que todo mundo gosta. A pressão do mercado e da economia não estão fáceis… pessoal deve estar precisando se virar para reduzir custos e a qualidade acaba caindo. Uma pena.
Bem legal o trabalho do sapateiro. Eu vou te mandar um e-mail para a gente conversar mais a respeito! Achei muito legal, adoraria conversar com ele também.
Um abs!
Realmente, os formatos dos pés são muitos para se enquadrar apenas no sistema de medidas adotado (em especial no Brasil), mas muitos fabricantes parecem usar um sistema de apenas “esticar” os calçados… Neste caso, a bota era anormalmente “fina”, ao ponto de minhas outras botas serem visivelmente mais largas – em (bem) mais de uma polegada.
E se fosse só esse o problema… Mas couro rachando, sola e contraforte quebrando, palmilhas que esfarelaram (é sério) indicam um problema sério. Espero que seja uma exceção, em todo caso.
Sobre as mudanças nos projetos, entendo as marcas (“fabricantes” não é uma palavra que se aplique para todas…), mas podiam simplesmente mudar o código, ou acrescentar um .1, .2 na especificação, deixando claro que não é exatamente a mesma coisa, concorda?
Mas sobre a outra peça, sob encomenda: eu realmente tenho tentado evitar ter expectativas muito altas sobre qualquer coisa, nos últimos tempos, mas saber que algo será feito especialmente para mim, ao meu gosto e pelas minhas especificações, realmente me deixa empolgado. Não tenho muito há acrescentar, no momento, mas hoje ou amanhã devo ir até a oficina (que é como o Sapateiro chama seu ateliê e, sinceramente, eu gosto do termo!) e ver o andamento. Tão logo tenha as botas em mãos, te envio as primeiras impressões e umas fotos; até já andei pensando em algo…
Teu e-mail é aquele indicado no “Fale Comigo”, correto?
Uma coisa sobre produtos feitos à mão, por encomenda: eles demoram!
Minhas botas ainda não estão prontas.
Olá!
Muito bom este artigo. Parabéns!
No Brasil somos milhares de artesãs, fazendo bonecas de pano ou feltro, inteiramente à mão. E não temos reconhecimento. Vendo para o exterior com mais facilidade.
Abraços
Super rica essa matéria, os parabenizo, fiquei grudada nela, em casa detalhe. Há 4 anos comecei a fazer laços artesanais para cabelos e, hoje me vejo a apaixonada por cada detalhe, sou do interior da Bahia, o artesanato não é tão valorizado quanto deveria, mas ainda assim é muito bom poder produzir cada peça!
Obrigado, Adriana! Sucesso para você!
Estou no meu último período da faculdade de administração e como tema do tcc optei por um plano de negócio em cima dos artesanatos que faço, como se eu realmente fosse criar uma loja. Estava procurando artigos e autores que abordassem sobre o tema até me deparar com esse site. Genuinamente amei a sua fala e me fez refletir sobre muita coisa, inclusive sobre o papel do artesão, o que representa cada peça produzida e todos estigas relacionados a trabalhos manuais. Valeu super a pena essa leitura, obrigada!
Obrigado, Zanon! Boa sorte com o seu TCC. Sucesso para você!