No meio de fevereiro do ano passado eu dirigi de São Francisco até o Novo México. Desci a Pacific Coast Highway, passei por Los Angeles, virei rumo ao Arizona pela antiga Rota 66 até o Novo México.
Tanto a PCF quanto a antiga Rota 66 são estradas antigas. O Google Maps vai te falar que são o caminho mais lento. Não se preocupe. Na vida real os melhores caminhos raramente são pelo percurso mais curto.
Fui parando em vários lugares, alguns planejados, outros não, ao longo dos 2.000 quilômetros com vista para oceano, floresta, montanha, cânion e deserto.
A viagem começa em São Francisco. De lá, desci a PCH parando em Carmel e Santa Barbara. Em Los Angeles descansei e fui ao Inspiration LA. Passei a noite em Joshua Tree antes de pegar a Rota 66 até o Arizona. Parei em algumas cidades peculiarmente americanas até chegar nas montanhas vermelhas de Sedona. Um lugar magnético, cheio de energia concentrada. Recarregado, parti para o Novo México através de um deserto marciano que vai parar em Santa Fé.
Eu não cheguei a dormir ao ar livre, mas vi onde o desenvolvimento humano não chegou. Também vi uns outros lugares onde o progresso parece que chegou e resolveu ir embora. Durante quinze dias deixei algumas pegadas naqueles trechos escondidos dos mapas. São os melhores, os que parecem recém descobertos. Sensação de explorador do grande mundo intocado!
Mas não é tão fácil assim encontrar paradas interessantes nas estradas dos Estados Unidos. Depois que inauguraram o “Interstate Highway System” na década de 60. Essas enormes artérias cortando o país secaram as pequenas estradas. Mataram cidades simplesmente por que estavam fora da rota entre os grandes centros. Nas enormes highways você só encontra outdoors gigantes, mini shoppings, e restaurantes fast food.
Felizmente a magia ainda está viva nas rotas antigas, que seguem paralelas, algumas até largadas. Elas continuam sendo o melhor caminho para se surpreender com um bom café, com uma refeição inusitada, visitar lojas que fogem do comum e topar com pessoas diferentes; além de paisagens maravilhosas e a arquitetura icônica, colorida, decadente.
Foi a primeira vez que rodei tantos quilômetros de carro. No caminho fiquei pensando sobre a diferença entre viajar de avião e viajar de carro. Primeiro, é que a viagem de avião vai de A para B. Dois pontos separados por um espaço vazio. A viagem de carro permite roteiros com descobertas a cada pequeno trecho entre o início e o fim. Além disso, num mundo carregado de informações, dirigir é um dos poucos momentos quando conseguimos concentrar em uma única tarefa, abrindo espaço para reflexões. É em todos os sentidos, uma viajem para dentro de si mesmo.
Mas será que as viagens de carro vão continuar assim? Não é loucura eu achar que um carro automatizado vai dar preferência para anunciantes. Que vai nos aconselhar a fazer uma compra por drone ao invés de passar a rota até a loja. Não estamos longe de um futuro onde nossa função pode ser ajustar o ar condicionado enquanto conferimos o feed das redes sociais.
As Highways acabaram com as estradas menores. O avião, A até B, criou as “flyover cities“, as cidades que você só sobrevoa. Se a história se repetir, o algoritmo pode esconder ainda mais o que existe entre esses “pontos perfeitos”. Sem o acaso, lugares sem estratégias de marketing digital vão atrofiar. Parar no meio do nada e inesperadamente comer a melhor refeição da sua vida não acontece quando trabalhamos com o número de avaliações.
Uma Road Trip soa cansativa e as horas dentro do carro parecerem sem sentido, mas expandem nossa compreensão do contexto de um país, de uma cultura e do mundo. Sem falar nas experiências inesperadas nos lugares aparentemente vazios. Pegue um mapa, marque um ponto final, e prepare-se para uma imensidão de possibilidades e abra o seu olhar para entender onde realmente quer ir.
O relógio está correndo, as horas estão passando. O passado aumenta, o futuro fica menor. Possibilidades diminuem, arrependimentos aumentam. Caia na estrada, descubra o novo, desconecte-se e conecte-se com o acaso. Faça isso antes de que um algoritmo faça todas essas conexões por você. Boa viagem!
Minha rota começa em São Francisco.
São Francisco só tem um problema. É difícil de ir embora.
Não fiquei muito tempo. Descer a PCH não fazia parte dos meus planos originais. Nesse outro post sobre o que fazer em um dia em São Francisco eu conto mais detalhes.
Comecei em SF para ver velhos amigos da natação. Não via o pessoal desde 2008.
É engraçado ter amigos que não vejo. Eles ficam jovens para sempre. Enquanto isso eu envelheço todo ano, todo mês, todo dia. Quando eu encontrei com eles em São Francisco pude sentir cada hora que envelheci!
Vou ficar devendo. Sempre que visito São Francisco fico na casa de amigos. Se você já esteve em SF, procure um hotel ou Airbnb no bairro The Mission. É um bairro cool com muita coisa para fazer. Se nunca foi, procure ficar na região da Union Square ou Fisherman´s Wharf para estar mais próximo dos pontos turísticos.
Acordei cedo. Minha anfitriã foi muito educada. Não sei se teria conseguido acordar para me levar até a porta.
Fui até o aeroporto pegar o carro. Eles tentaram empurrar um carro mais potente. O que escolhi não daria conta da viagem. Bobagem. A estrada é calma.
De São Francisco é um pulo até Carmel. Ou melhor, Carmel By The Lake. Nome de conto de fadas porque é mesmo um conto de fadas.
Carmel é um pequeno amável rio. Não é muito longo, mas em seu percurso tem tudo que um rio deve ter. Desce por um instante, corre por águas rasas, crepita por entre rochas, vaga lentamente por debaixo de sicomoros, derrama em piscinas onde vivem trutas. Foi mais ou menos assim que John Steinbeck descreveu a cidade.
Sai de Carmel e comecei a viagem pela Pacific Coast Highway, ou PCH, ou Highway 1. É uma estrada costeira, famosa por cortar deslumbrantes paisagens praianas em sua extensão.
Foi a rota de Jack Koureak se exilou e a inspiração de quase todas as músicas dos Beach Boys. É difícil listar o que fazer. On the road, é o espírito.
Decidir onde parar na PCH é importante. Você pode fazer em um dia, com pressa.
Dormi em Santa Barbara em um albergue. IHSP Santa Barbara. Honesto e energia boa. Café da manhã comunitário na varanda.
Se você for fazer a rota em mais de dois dias pode parar em San Jose, Monterey, Santa Cruz, San Luis Obispo ou várias outras cidades.
No meio do caminho entre Carmel e Santa Barbara fica Big Sur. Big Sur é maravilhoso. Muitas praias e paisagens para você escolher. Eu parei em Pfeiffer Beach, e McWay Falls.
Big Sur abriga uma comunidade meio hippie nas montanhas. Esqueci o nome do lugar, mas comi um taco de peixe delicioso!
Pra chegar lá você tem que passar pela Brixby Bridge, uma das pontes de concreto mais altas do mundo (e uma das mais fotografadas).
A maior parte do meu tempo em Los Angeles girou em torno do evento Inspiration LA. Programei tudo para participar dos dois dias de feira. Já falei bastante do assunto então vou pular para Joshua Tree.
Antes, a estrada. Em Los Angeles a praia virou concreto e no caminho para Joshua Tree o concreto vira pedra e areia. Incrível a transformação das montanhas gentis da costa californiana em formações rochosas agressivas e clima Mad Max.
Joshua Tree fica a três horas da cidade dos anjos. É uma cidade com espírito bem artístico, reduto de pessoas que mudaram de carreira ou em busca de calma. Todo mundo que conversou comigo trabalhava em banco e resolveu encontrar a essência do espírito.
High Desert Motel Joshua Tree National Park. Típico motel beira de estrada estilo No Country For Old Man. Preço bom e localização excelente, perto da cidade e perto do parque nacional. Outra opção é acampar em uma das áreas reservadas.
A parte isolada e meio apocalíptica da viagem. Dirigir pelo deserto Movaje dá aquela sensação de isolamento, com pequenas cidades pingadas ao longo do trecho.
Essa região é próxima ao vale da morte, e por pouco não fiquei sem gasolina, pois o lugar é deserto mesmo.
No caminho da estrada velha existem várias construções abandonadas. Alojamentos, escolas e cidades que cresceram em torno da indústria local.
Parei para almoçar na cidade fantasma, Oatman. Não estava planejando parar por lá mas encostei o carro quando vi um policial andando de sobretudo com um revólver em cada lado da cintura.
Esta pequena cidade se desenvolveu em torno das minas de ouro e que após o esgotamento das minas também teve que sobreviver a construção da Highway 40, que desviou completamente o tráfego de veículos que passavam pela Rota 66. A cidade decaiu.
Comi no Dollar Bill Bar. As paredes e o teto do restaurante estão cobertas por notas de um dólar assinadas por turistas. As mais antigas já estão amarelas. Quanta grana será que tem lá? A comida não é nada de especial mas a atração é bizarra.
Oatman é um ótimo lugar para comprar camisetas e souvenirs da Rota 66. São baratas, de boa qualidade e com grande variedade de estampas e lembrancinhas.
É aqui que começa oficialmente a Rota 66. Kingman localiza-se no meio do deserto do Arizona. O clima começa a mudar. À noite costuma fazer frio e no inverno costuma nevar.
Fui chegando em Sedona acompanhado por linhas brancas e árvores indomáveis. Temperatura bem mais fria, com neve. Esse é um lugar sagrado há milhares de anos.
A terra das pedras vermelhas é um lugar especial onde o planeta terra libera um turbilhão de energia. As formações rochosas de Sedona contém ferro, granito, e vestígios de cobre, tira, e ouro. Não é um exagero pensar nelas como condutores naturais que podem amplificar e depois descarregar eletricidade, criando um vortex eletromagnético que afeta a região e as pessoas. Nos pontos mais fortes, até as árvores respondem aos redemoinhos de energia, e crescem torcidas, com tronco e ramos em espiral. Seja bem vindo a outra dimensão!
Sugar Loaf Lodge. Reservei esse hotel pensando na simplicidade e na localização conveniente, próximo a algumas trilhas que eu queria fazer. Tem muitos restaurantes e um supermercado perto. Fui recebido como se fosse um velho amigo. Fui surpreendido. Com certeza ficaria de novo.
Andar, caminhar! Observar as estrelas e relaxar. Eu fiz rotas para ver os seguintes pontos:
Quando estava na faculdade eu acampei em Sedona. Vale a pena. Nunca vi um céu tão estrelado.
Também visitei a Oak Creek Brewing Co, é uma famosa cerveja local. Atmosfera alegre dentro da fábrica com taproom e também comi no restaurante que eles tem na Tlaquepaque Arts and Crafts Village. Muito boa!
Acoma Pueblo significa a cidade no céu. Porque será?
Só é possível visitar esse povoado indígena no alto de um platô com os guias em horários pre determinados.
Nada é mais mole do que a água, e nada a supera para enfraquecer e desgastar o que é duro.
A Petrified Forest tem esse nome por causa dos fósseis de árvores. Há 217 milhões de anos atrás havia uma floresta subtropical na região. A cinza vulcânica interagiu com a madeira e cristalizou os troncos. Milhões de anos depois a erosão trouxe a tona as árvores fossilizadas.
O Painted Desert ganhou este nome graças à coloração de suas rochas e montanhas. Está situado próximo à região de Four Corners (divisa entre os estados de Arizona, New Mexico, Utah e Colorado). Sua maior parte ocupada por reservas indígenas Najavo, Hopi, Apache e outras. A estranha coloração é causada pela presença de ferro e manganês, entre outros minerais. Apesar de ser deserto, a altitude deste lugar é de quase dois mil metros, portanto faz frio viu?
Tem uma loja perto chamada Hubbell Trading Post National Historic Site que está lá desde 1870 quando John Hubbell começou a comprar os tapetes feitos pela tribo Navajo.
Santa Fé, a capital mais antiga dos Estados Unidos, foi fundada por colonizadores Espanhóis e mantém sua influencia indígena por conta dos inúmeros povos que até hoje vivem em vilas na região. A cidade, que tem uma arquitetura única, com construções de adobe, é muito envolvida com artes e as ruas são repletas de galerias e lojas de artesanato.
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Mandou bem... Excelentes imagens e um texto que ajuda muito a quem se interessar visitar esta parte dos Estados Unidos.
Obrigado Fernando. Espero que visite e aproveite muito a sua viagem. Grande abraço.
Lucas ao me deparar com o texto me recordou muito a leitura de Zen e a Arte de Manutenção de motocicletas. Por algum motivo o durante a garimpagem dos antigos posts do site deixei esse passar, agradeço por ter linkado esse ao posto da RL.
Obrigado, Gabriel!
Gosto muito desse livro. Um super elogio.
Abs!
Texto e imagens incríveis, tanto que está me fazendo mudar de ideia da próxima viagem. Pensando em mudar de NYC (que já conheço) para fazer essa trip pela "route 66". Com certeza seu blog entrou na minha lista de favoritos! Valeu!